VÃO-SE OS DEDOS… FIQUEM OS ANÉIS!

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Uma das vantagens que a discussão à volta das 85 obras do pintor e escultor Joan Miró trouxe, foi tornar o seu nome bastante conhecido dos Portugueses. Na verdade, estou convencido que a maioria nunca tinha ouvido falar deste artista catalão (1893-1983), ou teria ouvido apenas vagas referências, como era o meu caso. Será consensual admitir que apenas uma minoria conhecia a sua obra, que começou a produzir em Paris a partir da década de 20, onde conviveu com grandes vultos da pintura como Matisse e Picasso. Miró nasceu em Barcelona e passou grande parte da sua vida em Palma de Maiorca. Como é evidente, não vou referir-me à obra deste artista que, dizem, era extremamente reservado, não gostando de ser o centro das atenções, por falta, da minha parte, de qualificações técnicas nesta área. A análise será orientada para outros aspetos relacionados com este caso que não está a dignificar o nosso País. A propósito, estranha-se a apetência que alguns Bancos portugueses têm por coleções de arte. Partirão sempre do princípio que se trata de bons investimentos que podem ser rentabilizados no futuro. Mas, como o seu negócio principal é dinheiro, torna-se difícil compreender que, especialmente, os grandes Bancos portugueses, invistam tantos milhões nesta área, de acordo com notícias que têm vindo a ser publicadas. E fizeram-no numa altura em que se tinham que financiar no estrangeiro, por falta de disponibilidades internas para as suas operações normais. Estranha-se, por isso, que o BPN de Oliveira e Costa tenha, em 2006, comprado, por 34 milhões de euros, a um colecionador japonês, as agora tão discutidas 85 obras de Miró. Com a nacionalização do BPN, em 2008, as obras estiveram guardadas nos cofres da Caixa Geral de Depósitos em Lisboa, mas eram e tudo indica que continuam a ser propriedade da Parvalorem, empresa que resultou dessa nacionalização e que tinha como função recuperar os créditos do BPN. Apesar de o Ministro das Finanças de então, Teixeira dos Santos, ter afirmado categoricamente que a nacionalização do BPN não iria custar dinheiro aos contribuintes portugueses, já então se sabia e hoje temos a certeza de que isso não era verdade, antes pelo contrário, foi uma decisão altamente lesiva do interesse nacional. Por isso, para um banco falido, era importante vender os ativos não financeiros, de modo a conseguir realizar um encaixe financeiro que minimizasse os prejuízos: isto aplicava-se a edifícios, automóveis, obras de arte, etc. Portanto é natural que a administração da Parvalorem tentasse realizar dinheiro com a venda dos quadros, situação que o governo dessa época teria que conhecer. Estranha-se por isso, que a ministra da Cultura, o ministro das Finanças e o 1º ministro de então (à data da nacionalização do BPN em 2008), venham agora dizer que desconheciam a situação, pois não é crível que a administração da empresa não lhes desse conhecimento dos contactos com as leiloeiras para proceder à venda. A autonomia da gestão não poderia ser assim tão grande, tanto mais que se tratava de um caso politicamente sensível. O certo é que o cidadão comum terá dificuldade em compreender porque é que não se deve proceder à venda dos quadros. Argumenta-se com razões culturais ligadas ao turismo, julgando que podemos concorrer com a Fundação Miró de Barcelona ou com a casa-atelier do pintor de Palma de Maiorca, mas então não se compreende a razão por que isso não foi aproveitado nestes 5 anos. O valor da venda, estimado em 36 milhões de euros (antes seriam 60 milhões), irá ser aplicado em minimizar o buraco financeiro que resultou da nacionalização do banco e agravou a dívida pública portuguesa. Ouvindo os adversários da venda, parece que nos estamos a portar como se fossemos herdeiros ricos: não queremos vender as “jóias da família”, ainda que para isso tenhamos que pedir mais dinheiro emprestado para sobreviver. Aliás a cultura sempre foi tratada de “modo sagrado” em Portugal, especialmente pelo último governo, o tal que nos levou à falência, tendo as ministras da cultura de então dado uma ajuda, negociando a exposição de uma célebre coleção privada em espaço público, em condições que se concluiu serem ruinosas para o Estado, com o pavor de que as obras fossem para o estrangeiro, situação que, curiosamente, tem muitas semelhanças com a atual. Mas, cabe perguntar, agora como dantes, se os pintores são portugueses, se está em causa o interesse nacional, se não podemos vender os quadros para pagar dívidas, se um estado falido tem que esbanjar dinheiro em cultura que não é nacional e que não produz riqueza para o País, nem ajuda os artistas portugueses… Sabia-se há vários meses que o leilão se iria realizar, mas a Procuradoria Geral da República só agora interpôs uma providência cautelar e a decisão judicial só chegou na véspera do dia do leilão. Ou seja, temos um órgão de soberania (poder judicial) a dar um péssimo exemplo ao País: decidir tarde e de modo dúbio, o que levou a leiloeira a cancelar o leilão. Em resultado, o País foi objeto de chacota internacional, mas ninguém é responsabilizado pelos graves prejuízos que isto causou à nossa imagem e prestígio como País. Independentemente do processo de envio da coleção para Londres poder ser questionado relativamente às formalidades legais, apesar de pertencer a uma empresa e não ter sido declarada a sua utilidade pública, a necessidade da venda parece não deixar dúvidas a ninguém, especialmente àqueles que, tendo dificuldades de subsistência, ficarão escandalizados com as discussões de intelectuais iluminados que consideram que o interesse nacional é lesado com a venda das 85 obras. Fazendo uma avaliação global deste processo e tendo em conta as informações disponíveis, o cidadão comum, pagador de impostos e preocupado com o futuro, perguntará com toda a naturalidade: Valerá a pena ficar só com os anéis? Não será antes preferível ficar com os dedos?