A LER | Sansão ou Dalila?

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1847

Segunda-feira. Semáforo vermelho no centro da cidade. Duas velhinhas encantadoras, aguardam para atravessar a passadeira. Uma sopra no olho da outra para ajudar a tirar algo que ali se alojou e incomoda a amiga. Gesto delicado de quem se predispõe a socorrer o outro, nos mais pequenos pormenores. Continuando a caminhar, a Natureza prova seguir esta mesma dinâmica: uma árvore larga as folhas, generosamente, tecendo e estendendo um tapete para a tão almejada chuva. Considero a diversidade de seres e de comportamentos que existem neste nosso planeta e também a essência solidária que nos une, lembrando, a este propósito, o “Poema do afinal” de António Gedeão:
No mesmo instante em que eu, aqui e agora,
Limpo o suor e fujo ao Sol ardente,
Outros, outros como eu, além e agora,
Estremecem de frio e em roupas se agasalham.(…)

A Natureza separa-nos.
E as naturezas.

A cor da pele, a altura, a envergadura,
As mãos, os pés, as bocas, os narizes,
A maneira de olhar, o modo de sorrir,
Os tiques, as manias, as línguas, as certezas.

Tudo.

Afinal
Que haverá de comum entre nós?

Um ponto, no infinito.
Esse “ponto”, que nos criou, assim maravilhosamente diversos, mas, quanto a mim, também contendo em nós a sua essência de Deus-Pai, configura a real possibilidade de podermos daz voz a essa semente de bondade, em nós plantada, patente, por exemplo, numa velhinha a tentar tirar um cisco do olho da outra ou no enorme grupo de pessoas que se juntaram para devolver um cachalote ao Atlântico, em Montegordo, no primeiro dia de 2018; por oposição, assistimos, boquiabertos, à surdez total a essa voz criadora, exposta na larga maioria das atitudes humanas denunciadas nos telejornais diários, desde a guerra no Iémen, aos milhões de refugiados a viverem em condições desumanas.
Em breves palavras, há sempre uma opção a fazer nas relações interpessoais: ou agimos como Sansão ou como Dalila. Sansão, cujo nome significava “homem do sol”, era um nazareno dotado de extraordinária força. Sendo um dos juízes bíblicos, a sua história está descrita no Livro dos Juízes (13-16) e no Novo Testamento (Hebreus 11,32). Deus chamou Sansão para libertar o povo de Israel que vivia dominado pelo Filisteus. Estes, que tinham um medo enorme da força dele, tentavam sem sucesso prendê-lo. Os governantes filisteus, sabendo da paixão de Sansão pela filisteia Dalila, aliciaram a jovem, com 1100 moedas de prata, a descobrir a origem da força invencível dele. Dalila amava-o, porém este amor era inferior ao que sentia pelo seu povo. Com o seu grande poder de sedução, ela tentou, não só desvendar o segredo da sua força, como também arranjar uma forma para que ele fosse dominado pelos filisteus. Por várias vezes, Sansão conseguiu resistir às investidas dela, dando-lhe falsas explicações para a origem do seu poder. Foi então que ela (não se sabe através de que artes) conseguiu saber o segredo da força dele: este disse-lhe que, se os seus cabelos fossem cortados, a sua força abandoná-lo-ia e ficaria fraco como uma criança. Adormeceu no colo de Dalila e esta, suavemente, cortou-lhe os caracóis dos cabelos. Acordado pela chegada dos Filisteus, acreditava ainda ter força, mas foi rapidamente dominado pelos soldados, que lhe perfuraram os olhos e o prenderam com algemas de bronze. Foi exposto e humilhado, publicamente, no caminho do templo de Dagôn, onde foi amarrado aos dois pilares que sustentavam o enorme edifício. A população juntou-se aos milhares para ver a sua derrota e este, num último esforço, pediu a Deus que lhe devolvesse a força, por instantes. Foi, então, que Sansão, heroicamente, fez ruir os pilares, causando a destruição do templo e, consequentemente, a morte dos Filisteus, de Dalila e dele próprio. A sua heroicidade/entrega a uma causa e a sua capacidade para amar é modelar. Há, no entanto, um importante reparo a fazer quanto à sua atuação e que nos há de servir de exemplo: nunca revelar os nossos planos e pontos de força antes de atingirmos os nossos objetivos, sob pena de essa revelação comprometer o sucesso dos mesmos.


Graciosa Gonçalves
graciosa.goncalves@sapo.pt

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Nasceu a 12 de setembro de 1969. Viveu na sua aldeia natal (Casal das Sousas, concelho de Ansião) até aos 18 anos. Vive em Pombal há 29 anos. Terminou a Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas (variante de Português/Inglês), na Faculdade de letras da Universidade de Coimbra, em 1991. Leciona desde o ano letivo de 1991/1992, tendo realizado o Estágio Pedagógico na Escola Jaime Cortesão (Coimbra) e tendo trabalhado dois anos letivos na Escola Pascoal José de Mello (Ansião). É professora do Quadro de Escola do Agrupamento de Escolas de Pombal, há 21 anos. É professora por vocação (foi no 8º ano que escreveu, numa composição escolar, sobre isso, pela primeira vez, de forma absolutamente consciente). Sente-se seduzida pela possibilidade de ajudar jovens a crescer por dentro, a descobrir-se, a trilhar o seu próprio caminho (do qual também é parte integrante, fazendo o seu próprio caminho, enriquecido pela jovialidade e irreverência deles), apesar das múltiplas adversidades. Ama tudo o que é inerente ao papel de mãe (desde mudar fraldas a lavar camuflados, passando por improvisar soluções para os mais variados problemas que surgem quando se tem três maravilhosos filhos de 27, 21 e 7 anos). É outra vocação, indubitavelmente. Ama escrever, ler um livro ou ver um filme que lhe ensinem algo ou que a façam chorar, por a resgatarem do pessimismo ou do descrédito em relação à raça humana, fazendo-a acreditar, mais uma vez, que é possível mudar o mundo. É uma sonhadora/idealista incurável, particularmente por acreditar, sempre, que Deus tem um projeto para a sua vida, assim ela saiba persistir na sua concretização.