Dignidade

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Rodrigues Marques

O Estado devia tratar todos os cidadãos com a dignidade que eles merecem, já que são a razão de ser do próprio Estado.
Mas este é forte com os fracos e fraco com os fortes.
Todos sabemos que estamos no epicentro de uma grande guerra económica, cujas regras são muito fluidas.
Todavia isso não é razão para haver por aí tantos “snipers”, a mando do Estado, e que, infelizmente, passam impunes, a coberto das permeáveis leis da República.
Os “snipers” continuam, alegremente, a matar a economia doméstica de bens transacionáveis, por conta de uma nova ordem, que não sabem qual é.
Não somos dos que deitam a toalha ao chão à mais pequena contrariedade, mas sentimo-nos uma espécie da Santo António a pregar aos peixes.
Continuamos a assistir ao deslizamento do nosso querido Portugal, numa ladeira que nos conduz a um buraco negro.
E os sábios do regime não têm tido o engenho e a arte para inverter a situação.
António Sérgio, na Revista Pela Grei, escrevia no seu nº 5, em 1918, “A crise económica – Ela aí está. As fábricas cheias de produtos que não saem; os comerciantes sem comprar às fábricas, porque não vendem aos freguezes; estes, retraídos, à espera do barateamento. A situação é aflitiva; … A solidariedade dos indivíduos, das classes e das nações é um facto; e quando os homens não querem tomar consciência dêsse facto, impregná-lo de inteligência, de previsão, de moralidade, o facto vinga-se, terrivelmente, dos espíritos tiranos que o não querem admitir. … Ser inteligente é ser capaz de prever; as ‘forças vivas’, portanto, não quiseram ser forças inteligentes. Agora, ei-las aterradas com as suas próprias dificuldades…”.
Uma fotografia actual, … com quase 100 anos.
Mas como não somos nem sábios, nem inteligentes preferimos dar dignidade a um Soldadinho, sniper, que se limitava a cumprir as rígidas leis da guerra.
O Capitão Menezes Ferreira, no seu livro João Ninguém-Soldado da Grande Guerra, editado em 1921, ilustra-o com um seu desenho de “O sniper”.
O soldadinho, sniper, António Marques Carpinteiro, nasceu em Albergaria dos Doze a 23 de Abril de 1893 e aqui faleceu a 19 de Janeiro de 1958, com 65 anos de idade.
Foi casado com Maria de Jesus, de quem teve três filhos, o Manuel, a Maria Emília e o Francisco.
A esposa nasceu a 31 de Março de 1893 e faleceu a 17 de Abril de 1978.
Era irmão do meu avô paterno.
Quando eu tinha cerca de cinco anos de idade e o encontrava, cumprimentava-o, dizendo:
– Bom dia avô.
Ele respondia-me, com muito carinho:
Óh menino, eu não sou o teu avô. O teu avô é o meu irmão Manuel.
É que, para mim, eles eram iguaizinhos, já lá vão 60 anos.
O nosso soldadinho assentou praça em 24 de Junho de 1913 no Regimento de Infantaria 7, em Leiria.
Foi integrado na 1ª Companhia do RI 7.
A 19 de Janeiro de 1917 embarca, em Lisboa, para as terras de ninguém, em França.
A 1 de Maio de 1919 foi repatriado para Portugal.
Dado que a Batalha de La Lys foi em Abril de 1918 e que o nosso soldadinho só regressou ao País a 1 de Maio de 1919, repatriado, como consta na sua Caderneta Militar, supõem-se que tenha sido um dos milhares de soldados que foram feitos prisioneiros pelas tropas alemãs.
Foi licenciado a 2 de Agosto de 1919, tendo passado à reserva a 1 de Outubro de 1926.
Em 31 de Dezembro de 1942 foi considerado de “Baixo ao serviço”, por ter completado toda a obrigação de serviço.
Foram-lhe atribuídas as seguintes condecorações: Medalha Comemorativa da Expedição a França (CEP) em 1917-1918, concedida por OE 5061 de 30 de Novembro de 1918 (OR nº 167 de 16-6-1919) e a Medalha da Vitória concedida pelo artigo 5º do Dº nº 6186 de 30 de Outubro de 1919. OE nº 23 (1ª série) de 11 de Novembro.
O nosso soldadinho António Marques Carpinteiro tem registado na sua Caderneta Militar que é um atirador de elite, de 1ª classe – um sniper.
Sabemos que um sniper é um atirador furtivo.
Sabemos que o Capitão Menezes Ferreira fez questão de fazer um desenho de um sniper, no seu posto, numa trincheira, publicado no seu livro João Ninguém-Soldado da Grande Guerra, editado em 1921.
Não sabíamos era que o nosso tio-avô tinha sido um sniper.
Todavia o sniper descrito pelo Capitão Menezes Ferreira é diferente do de hoje.
O nosso tio-avô limitava-se a cumprir as rígidas leis da guerra.
Hoje, os “snipers” têm todos os graus de liberdade para abater tudo e todos, a seu belo e discricionário prazer.
Malditas guerras.
Nós só queríamos que o Estado nos tratasse com dignidade.

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