A UNIÃO EUROPEIA FALADA EM PORTUGUÊS | Artigo 3º – “Interrompamos a ordem para falar do impacto do BREXIT”

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Após voltas e reviravoltas, partimos de 2016, ano ao qual juntamos um referendo britânico que resultou na abertura da porta de saída do projeto europeu. Ao referendo, adicionamos quatro anos de turbulentas negociações, e chegamos a janeiro de 2020, o mês que findou 47 anos de história entre o Reino Unido e a União Europeia (UE). Posteriormente, teve lugar um período transitório, durante o qual o Direito da União Europeia continuou a aplicar-se sobre o Reino Unido, salvaguardando os cidadãos, consumidores e empresas britânicas e europeias. Por fim, a chegada de 2021 introduziu o Acordo de Comércio e Cooperação, o ponto final no processo de negociações do BREXIT.
A introdução do Acordo de Comércio e Cooperação materializa a solução ao abandono, por parte do UK, do Mercado Comum e da União Aduaneira. Este dita as regras de comércio entre ambas as potências e prevê a eliminação de tarifas e de quotas para o comércio de bens e serviços, consoante o cumprimento das regras de origem. Próximos geograficamente, o maior parceiro comercial do Reino Unido é a UE, uma vez que as trocas comerciais entre si representam cerca de metade das suas importações e exportações totais, deixando, por isso, a economia da Ilha Britânica muito suscetível aos impactos da introdução de barreiras não tarifárias ao comércio.
Consequentemente, e de acordo com o ONS, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as exportações britânicas para a UE caíram cerca de 40,7%, fruto do aumento dos controlos alfandegários, como declarações de exportação ou certificados sanitários, nas fronteiras entre a UE e a Grã-Bretanha. As quatro liberdades fundamentais são indivisíveis e, portanto, o Reino Unido começou já a pagar a sua fatura. Nesta, as contas demonstram uma diminuição de 2,9% do PIB desde o início do ano, e um retrocesso de 9% da economia britânica em comparação com o ano anterior. Em termos macroeconómicos, a quebra do rendimento pesará também na perda de postos de trabalho, e os custos da reestruturação económica britânica cairão sobre as famílias com menores rendimentos, agravando as desigualdades sociais. Note-se então, que o impacto negativo da introdução de barreiras ao comércio com a UE é mais significativo no crescimento britânico a curto e médio prazo, do que qualquer possível impacto positivo proveniente de uma redução de obstáculos ao comércio com a China.
Relativamente às finanças públicas, o benefício do BREXIT descreve-se pelo fim das contribuições para o financiamento do orçamento da União Europeia. Contudo, esta poupança é diretamente abafada pela queda do PIB e não revela qualquer benefício para os cidadãos ingleses.
Para mais, o BREXIT já se faz também sentir no prejuízo da atratividade do Reino Unido ao Investimento Direto Estrangeiro (IDE). Enquanto Estado-membro, a Grã-Bretanha concentrava em si elevadas quantidades de IDE proveniente de países europeus. Até aqui, ao integrar o Mercado Interno, a liberdade de circulação de capitais facilitava as transferências e o investimento estrangeiro, favorecendo o interesse de empresas multinacionais no mercado britânico. O rompimento de relações cria barreiras ao investimento de empresas europeias, nomeadamente a introdução de novas tarifas e outras burocracias, que doravante surtirão efeitos na diminuição do IDE e do PIB do Reino Unido.
Ora, paralelamente, o êxito da campanha vote leave impôs mudanças às regras de imigração para os cidadãos europeus. A partir de agora, como provenientes de países terceiros, os europeus que imigrarem para o Reino Unido serão avaliados com base num regime de pontos para a atribuição de um visto. Este sistema contabiliza vários requisitos, como o domínio da língua inglesa, qualificações e um contrato de trabalho que aufira valores salariais mínimos anuais, diminuindo consoante a insuficiência de mão de obra no setor, sendo a saúde uma das áreas com maior falta. Assim, o passar do coador britânico pelos imigrantes europeus foge às necessidades económicas e sociais do Reino Unido e pode inclusive aumentar a ineficiência dos serviços de saúde britânicos (NHS) devido à continua e acentuada falta de enfermeiros, assim como dos setores agrícola e agroalimentar, dado que são abundantes em mão de obra não qualificada.
Ademais, para além destes serem postos de trabalho fortemente dominados pelo género feminino, a proteção das mulheres trabalhadoras, até aqui abrigada pelo Direito Europeu, tem sido desprezada ao longo das negociações do BREXIT e enfrenta um futuro precário no Reino Unido. A transferência destes direitos para os regulamentos britânicos poderá ser esquecida e desprovida de escrutínio por parte do Parlamento do Reino Unido, o que constitui uma ameaça à manutenção dos direitos das mulheres, dos trabalhadores a tempo parcial, das licenças maternais, da igualdade, da deficiência, da orientação sexual e da raça e etnia.
Por sua vez, aos estudantes europeus a ingressar no ensino britânico após 2021 será exigido um visto destinado a esse efeito, a menos que o curso tenha duração inferior a 6 meses. Assim, a introdução de novas burocracias e requisitos para os estudantes europeus, a somar à existência de instituições de ensino de elevado prestígio noutros Estados-membros e ao facto do Reino Unido deixar de beneficiar de uma panóplia fundos europeus para a investigação (p.e. NextGenerationEU), pode resultar numa diminuição da atratividade das Universidades inglesas e num desincentivo à procura pelo ensino britânico aos estudantes europeus.
Termino com a ideia de que o Reino Unido sempre assumiu relutância no processo de integração da União Europeia, não tendo adotado a moeda única, nem feito parte do Espaço Schengen, num primeiro plano. Agora que a fechadura do Artigo 50º do TUE foi destrancada e a União passa por tortuosos momentos de uma crise humanitária, abrem-se as vias rápidas para o euroceticismo, os nacionalismos exacerbados e dá-se o megafone aos populistas, que uma mão cheia de nada prometem. A Inglaterra permanece polarizada e sem ponto de concórdia entre a população. Estima-se que a longo prazo o seu PIB cresça a um ritmo consideravelmente menor em comparação com o que seria a sua manutenção na UE. Como europeísta, acredito na necessidade da reunião de esforços para o combate aos grandes desafios que se sucedem, como a crise ambiental e o aumento da desigualdade, sendo o requisito mínimo uma Europa Unida, supranacional e cooperante. Se o BREXIT servir de exemplo para a intensificação dos objetivos da União Europeia, será uma rutura que veio por uma maior integração.

Vitória Sá
Mestranda em Economia Internacional e Estudos Europeus

[Artigo de opinião publicado na edição impressa de 22 de Abril]