DA ILUSTRE TERRA DO MARQUÊS | Pagamentos… Só a dinheiro!

0
1174

Circulava, com normalidade, naquela rua do centro da cidade. Quase insensivelmente e de passagem, olhava para as montras das lojas, bem decoradas e com excelente apresentação, expondo os seus produtos, de modo a cativar os clientes, levando-os a comprar ali, em vez de optarem pelos centros comerciais ou lojas das cidades limítrofes ou até da capital. E a oferta era bastante interessante: ourivesaria, pronto a vestir, eletrodomésticos, brinquedos, artigos de desporto, além de outras atividades importantes e necessárias.
Curiosamente, apesar de na rua não existirem bancos deparei, lá ao fundo, com um caixa multibanco, o que me pareceu adequado, tendo em conta a quantidade de lojas que por ali existiam. Resolveria, com facilidade, o problema de quem quisesse pagar a dinheiro, embora atualmente até haja limites legais a esse modo de pagamento e o valor diário possível de levantamento também seja limitado.
Mas, a razão do passeio urbano era acompanhar um familiar muito especial a uma consulta numa clínica situada nessa rua. Bom atendimento, sem esperar muito, médico simpático, atencioso, competente. Feito o diagnóstico e prescritos os medicamentos necessários, bem como a sua posologia, havia que pagar a consulta. Confirmado o valor, apresentei o cartão de crédito para pagar, mas logo a funcionária, de modo célere e convicto, me informou que não tinham multibanco, que já tiveram, mas agora não tinham e que teria de pagar em dinheiro, existindo um caixa multibanco neste prédio, descendo ao rés-do-chão.
Percebi então a razão de ser do tal caixa multibanco naquela rua comercial. Não teria sido instalada só para servir as lojas, mas também para que os utentes da tal clínica pudessem pagar a dinheiro o valor das suas consultas, exames médicos, etc. Por mero acaso, tinha dinheiro suficiente para pagar a consulta. Mas, se não tivesse e tivesse dificuldades de locomoção, teria de descer as escadas ou utilizar o elevador para ir levantar o dinheiro e voltar lá acima para pagar. Claro que para quem utiliza cadeira de rodas o problema ainda é mais complicado e seria agravado se a máquina não tivesse dinheiro ou se estivesse a chover…
Este mundo está – e confirmamo-lo frequentemente – virado de pernas para o ar. O cartão de crédito facilita os pagamentos, evita os trocos, agiliza as transações. Claro que quem recebe tem um pequeno custo que lhe é cobrado pelo banco, relativamente à prestação daquele serviço. Mas, o dinheiro já fica na sua conta bancária, não tem o trabalho de o contar e depositar e não há o risco de desvios. Trata-se de uma despesa normal que é suportada pela margem de lucro das atividades comerciais ou de serviços. Mas, o que importa realçar, é o comodismo que traz à vida das pessoas, especialmente nas compras e nos pagamentos.
Curiosamente, no recibo da consulta emitido pela tal clínica, está inscrita a frase: “A saúde do meu doente será a minha primeira preocupação – Hipócrates”. Trata-se de um parágrafo do juramento de Hipócrates, que é o juramento efetuado pelos médicos por ocasião de sua formatura, no qual juram praticar a medicina honestamente. Hipócrates, filósofo e médico grego, é considerado o pai da medicina como ciência, viveu 83 anos, entre 460 e 377 a.C. Ou seja, esta citação terá como objetivo demonstrar que a clínica está ao serviço das pessoas que têm problemas e precisam de ajuda e isso não se põe em causa. Mas obriga os pobres doentes a vir à rua levantar dinheiro, voltar a subir, pagar e voltar a descer.
Se o objetivo é a maximização do lucro, parece moralmente condenável que isso suceda apesar da fragilidade e da falta de saúde das pessoas, obrigando-as a esforços adicionais que teremos que considerar irracionais. Há princípios da moral e regras humanas que deveriam ser obrigatoriamente cumpridas. Seríamos todos mais felizes se o egoísmo, o materialismo e a falta de consideração pelos outros não nos surpreendessem com tanta frequência.

manuel.duarte.domingues@gmail.com

Partilhar
Artigo anteriorESPAÇO À JUSTIÇA | Direitos de Paternidade
Próximo artigoCARTAS POMBALINAS | Pombal, cidade em desenvolvimento
Natural de Viuveiro, Vila Cã, Pombal (1948), residente em Pombal. Licenciado em Controlo de Gestão pelo Instituto Superior de Contab. e Administ. de Coimbra. Contabilista e Consultor de Empresas desde 1977. Revisor Oficial de Contas desde 1993 (de Empresas públicas e privadas, cooperativas, autarquias, etc.). Fiscal Único no âmbito do Ministério da Saúde de diversos Hospitais EPE, desde 2002. Presidente do Conselho Fiscal da Vista Alegre Atlantis, SGPS, SA. Ex-Professor do Ensino Secundário (EICPombal) e do Ensino Superior (ISCAC e ISLA). Serviço público prestado: Oficial Miliciano de Administração Militar, Membro da Assembleia Municipal de Pombal e Presidente da Assembleia de Freguesia de Vila Cã. Cargos exercidos em associações: Vice-Presidente da Direção da A H B V Pombal; Presidente do Conselho Fiscal de: AICP–Assoc.Indust.Conc.Pombal; da Santa Casa da Misericórdia de Pombal; e do Sporting Clube de Pombal. Presidente e Membro da Comissão Revisora de Contas da Fundação Rotária Portuguesa. Cargo atual: Presidente do Conselho Fiscal da A. H. dos Bombeiros Voluntários de Pombal, desde 2005. Livros publicados: “DA ILUSTRE TERRA DO MARQUÊS…” – 1º Volume (2011, 2ª edição 2013); 2º Volume (2016), reunindo crónicas publicadas em jornais e revistas e outros escritos, destinando-se o produto da venda, integralmente, a Instituições de Solidariedade Social.