Investigadores descobrem área natural de interesse mundial em Pombal

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A descoberta de uma área natural de interesse mundial, no Bioparque, um espaço verde localizado no centro do Vale de Degolaço, poderá levar à sua classificação como Reserva Natural, integrada na Rede Nacional de Áreas Protegidas.

A organização “Os Amigos do Arunca/GPS” trouxe a Pombal, na tarde do passado sábado (21), vários investigadores, amigos e autarcas, que se juntaram no Bioparque da Charneca, para promover a protecção de um tesouro natural da região, recentemente descoberto, o que deverá passar pela criação de uma reserva natural no Vale de Degolaço. O objectivo, refere Emanuel Rocha, d’Os Amigos do Arunca, “passa por criar uma estratégia de comunicação capaz de chegar à população, informando-a do património de valor excepcional que aquele espaço possui”, onde se incluem espécies de flora raras e ameaçadas.
Inaugurado em Fevereiro de 2019, o Bioparque é um espaço verde no centro do Vale de Degolaço, onde se podem encontrar valores excepcionais de biodiversidade, facto que, segundo os investigadores, é reforçado pela presença de um curso de água e da existência de antigos poços e furos que asseguravam, no passado, o sistema de abastecimento de água à cidade de Pombal, que representa bem o que se chama hoje de serviços de ecossistema. Além disso, disponibiliza ao público um conjunto paisagístico de qualidade, com circuitos de manutenção, percursos pedestres, passadiços, área de merendas e um anfiteatro ao ar livre. Contudo, defendem os investigadores, o Bioparque é um espaço destinado à conservação da natureza, devendo ser dada especial atenção à conservação das espécies autóctones, para que toda a gente possa, no futuro, continuar a apreciar esta riqueza natural.
Em Abril de 2022, num Bioblitz organizado pel’Os Amigos do Arunca/GPS, os especialistas que participaram nesta iniciativa, com destaque para o ecólogo Jael Palhas (do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e da Escola Superior Agrária de Coimbra) e o geógrafo Miguel Geraldes (do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e do Greifswald Mire Centre, da Alemanha), consideraram-no como “uma das áreas com maior valor para a conservação da natureza na região, dada a diversidade e abundância de mais de 250 espécies de flora, muitas delas muito raras e ameaçadas, que aí facilmente se conseguem observar”. Destaca-se a abundância de plantas carnívoras: orvalhinha (Drosera intermedia) e a pinguícula (Pinguicula lusitanica), e de um conjunto de espécies raras típicas de turfeiras, como um cardo endémico de solos turfosos ou o cardo-dos-brejos (Cirsium welwithschii) que tem aqui provavelmente a sua maior população conhecida em todo o mundo.
Possuidor ainda de muitas outras raridades de relevo internacional, muitas delas em perigo crítico de extinção nos Livros Vermelhos das floras vasculares de Portugal e Espanha, este espaço privilegiado também impressionou os investigadores pelo número de espécies de determinados géneros, como Cirsium e Juncus, com populações bastante expressivas e de elevada importância etnobotânica. Quanto às plantas não vasculares, a presença incomum de musgos do género Sphagnum, nesta quantidade, veio trazer ainda mais interesse para a conservação desta área.

Habitats em desaparecimento na ribeira do Degolaço
Toda esta riqueza vegetal está depois relacionada com a biodiversidade de outros grupos de seres vivos (insectos e anfíbios, por exemplo), que foi possível observar no local. Após as primeiras detecções de valores raros, foram levadas a cabo, no último ano, várias prospecções de flora e de solo, que vieram revelar e comprovar que toda a área da ribeira do Degolaço, desde a montante do Bioparque até à entrada da Zona Industrial da Formiga, é da maior importância para a política pública de conservação da natureza em Portugal, alinhada com a Estratégia Europeia e das Nações Unidas no mesmo sentido, por conter habitats que estão em franco desaparecimento no resto da Europa, como explicam “Os Amigos do Arunca/GPS”.
A paisagem desta área, embora profundamente humanizada na envolvente, contém uma verdadeira reserva biogenética no seu miolo, que surge como resultado de milénios de humanização em harmonia com a conservação de recursos naturais. Trata-se de uma verdadeira relíquia, segundo os investigadores, pois estas turfeiras de vale têm vido a desaparecer devido ao uso de fertilizantes em excesso (que provoca eutrofização) e a questões de ordenamento, que estão a transformar a paisagem, e dificilmente recuperam quando muito perturbadas. Nesta tendência para o desaparecimento rápido, foi com surpresa que os investigadores se depararam com um repositório botânico desta magnitude a escassos quilómetros do centro urbano de Pombal.
“É, de facto, uma zona húmida de conservação absolutamente prioritária, protegida ao nível da União Europeia e por outras Convenções Internacionais que Portugal assinou e ratificou” afirmaram os dois investigadores, “cuja fragilidade exige uma gestão que garanta a conservação dos valores naturais aí presentes para o futuro, ao mesmo tempo que potencie oportunidades de usufruto responsável do espaço, que é de grande valor para actividades de ecoturismo e educação ambiental, alavancando desenvolvimento territorial”.
Declararam ainda que “os solos turfosos requerem o encharcamento permanente, o que promove condições sem oxigénio (anoxia). São em geral solos muito pobres em nutrientes, que só algumas espécies de plantas conseguem colonizar. São estas condições por que importa zelar”. Foram mostradas plantas que ali existem e que estão adaptadas às condições de vida extremas do sítio (encharcamento, acidez e pobreza em nutrientes), em grande parte ocupado por flora e vegetação de turfeiras. É o caso do musgo esfagno, verdadeiro “engenheiro de ecossistemas”, que cria um ambiente ácido e reduz a competição com outras plantas, uma vez que maioria das plantas generalistas não tolera estes solos.

Água potável todo o ano
Além da biodiversidade excepcional, os investigadores realçam o facto de o Vale de Degolaço prestar importantes serviços de ecossistema, já que retém e depura enormes quantidades de água durante todo o ano, justificando assim as quatro fontes existentes desde o Bioparque até ao Rio Arunca.
Além disso, sequestra e armazena elevadas quantidades de carbono, cerca de quatro a cinco vezes mais eficaz do que a floresta circundante, pelo que constitui um serviço fundamental e imprescindível em contexto de alterações climáticas, alegam os técnicos.
“Mas tudo isto só permanecerá se for conservado”, advertem “Os Amigos do Arunca/GPS”. Para isso, a reunião contou não apenas com vários investigadores, mas também com a presença do presidente da Câmara Municipal, Pedro Pimpão, da vereadora Catarina Silva e da tesoureira da Junta de Freguesia de Pombal, Ana Carolina de Jesus. Em conjunto assumiram o compromisso de, num curto espaço de tempo, classificar esta área e candidatá-la à integração na Rede Nacional de Áreas Protegidas.
Perante estas descobertas, Pombal poderá apresentar mais uma joia do seu património natural, na celebração do Dia Internacional das Zonas Húmidas, que ocorre anualmente, a 2 de Fevereiro, revela Emanuel Rocha, da organização “Os Amigos do Arunca/GPS”.