O PERFUME DA SERPENTÁRIA | Aeroporto Internacional de Pombal*

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Ao olhar para o título deste artigo, o leitor poderá ser levado a pensar que este período de confinamento tolheu definitivamente a última réstia de lucidez que me restava. Se assim pensar não andará muito longe da verdade. No entanto, a ideia de instalar o novo aeroporto em Pombal não tem origem numa mente ociosa e perturbada como a minha, mas sim na de um dos mais ilustres especialistas em transportes, o Professor José Manuel Viegas. Na década de 90 do século passado, este Professor Catedrático e reconhecida autoridade em matéria de transportes (tanto em Portugal como lá fora) defendia o que na altura ficou conhecido como o “Hub de Pombal”. Ao que julgo saber, a tese de José Manuel Viegas consubstanciava-se na excepcional centralidade de Pombal (exactamente equidistante de Lisboa e Porto), por ser servido por importantes vias de comunicação (Linha do Norte e auto-estada A1) e possuir uma latitude muito semelhante a Madrid, apetecível para a ferrovia de alta velocidade de mercadorias.
Pela informação que recolhi, nem a distância entre Pombal e Lisboa seria obstáculo a que esta infra-estrutura pudesse complementar adequadamente a oferta aeroportuária da cidade de Lisboa. Como os dois ou três que ainda têm a generosidade e a paciência de ler as linhas que vou escrevendo saberão, as infra-estruturas aeroportuárias das principais cidades europeias não são necessariamente no centro dessas cidades. Como exemplos (entre tantos outros) podemos falar dos casos de Paris e de Londres. Em Paris, as opções de transporte agregadas aos aeroportos não permitem que, tanto no caso do Aeroporto de Orly (o preferido da TAP) como no do Aeroporto Charles de Gaulle, se chegue ao centro da cidade em muito menos de 1 hora. Então se tivermos de deambular entre estes dois aeroportos, estamos lixados: levamos quase 2 horas. Em Londres, do aeroporto em que operam preferencialmente as companhias low-cost, o Aeroporto de Stansted, o trajecto até ao centro da cidade leva sensivelmente 1 hora, também. Na possibilidade académica da construção de um aeroporto em Pombal e considerando que o traçado da Linha do Norte permite, com relativa facilidade, a sua reconversão para suportar a Velocidade Elevada (VE) – 200 km/h (não confundir com a Alta Velocidade (AV) – 250 km/h), poder-se-ia alvitrar que o tempo do percurso entre o aeroporto e o centro da cidade de Lisboa não seria superior a 1 hora.
São quase inimagináveis as repercussões que um projecto com esta magnitude traria para o desenvolvimento da nossa cidade e concelho. Essa assunção fez com que em 1991 (creio) o Executivo Pombalense de então, liderado por Armindo Carolino, formulasse um convite ao Professor José Manuel Viegas para que viesse a Pombal explanar e aprofundar o seu parecer. Convite que aceitou de bom grado. A PARTIR DAÍ, NADA! Não teria sido oportuno continuar a “cavalgar” uma ideia de alguém tão distinto e que, uma vez concretizada, nos traria tantos proveitos? Podemos especular: Terá sido pela congénita falta e arrojo e de “peso político” dos nossos decisores desde então? Será pela nossa quase patológica atracção pela vertigem da pequenez e provincianismo? Aquilo que alguns “meteorologistas” chamam de “neblina cor-de-laranja” que se abateu sobre Pombal numa noite de Dezembro de 1993, e que pouco permite ver para além do próprio umbigo, não será com certeza alheia a esta inépcia.
O assunto do novo aeroporto de Lisboa parece arrumado. Depois de mais de 5 décadas de avanços e recuos e de várias localizações possíveis (Rio Frio, Ota, Alcochete), o Montijo parece o destino definitivo desta importante infra-estrutura. Segundo a apreciação do Governo em relação às conclusões dos Estudos de Impacte Ambiental, todos os constrangimentos apontados são ultrapassáveis (?!?!) e mesmo em termos de segurança não se perspectivam dificuldades de maior. Nomeadamente pelo parecer desse afamado ornitólogo (nas horas vagas Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações) Alberto Souto de Miranda que afirmou convictamente que aquela zona é povoada por um tipo de passarada com uma inteligência capaz de fazer corar o mais intelectual dos golfinhos e que, para além de se adaptarem facilmente à barulheira, não se vão precipitar para os reactores das aeronaves.
Estando fechado o tema do novo aeroporto de Lisboa, talvez este artigo não faça qualquer sentido. Ou talvez faça. Para alguns dos autarcas (os mais atrevidos) da região centro do país, a discussão sobre a instalação de um aeroporto no nosso território, para além imprescindível ao desenvolvimento, é da mais elementar justiça e pertinência. No início deste ano, a Comunidade Inter-municipal da Região de Coimbra reuniu com o Ministério das Infra-estruturas e da Habitação para estudar a viabilidade de instalar um aeroporto na zona centro do país. Rejeitada a possibilidade da ampliação do aeródromo Bissaya Barreto de Cernache (por motivos económicos), a reconversão da Base Aérea de Monte Real (apesar de muito apoiada pelo actual e pelo anterior edil de Leiria) também apresenta diversos inconvenientes. Nomeadamente pelo seu estatuto operacional na estrutura de defesa nacional. No entanto, os estudos realizados pela Câmara Municipal de Coimbra são perentórios em apontar que a localização ideal para um novo aeroporto seria a sul de Coimbra e a norte de Leiria (estarão a meter-se connosco?!?).
Não sou especialista em transportes e muito menos em infra-estruturas aeroportuárias. Não sei mesmo se no Concelho de Pombal arranjaríamos uma área de implantação disponível para suportar uma pista de 2,5 Km de comprimento e para as instalações de apoio à operação. Também não sei se o facto de ir desenterrar este assunto não é fruto de uma recalcada megalomania ou resultado do desencanto de alguém que, apesar das várias oportunidades de sair da sua terra, insistiu sempre teimosamente em ficar. O que tenho a certeza é que é cada vez mais insuportável a resignação parola com que a minha cidade e o meu concelho aceitam o seu papel de meros e MUITO SECUNDÁRIOS FIGURANTES.

Aníbal Cardona
*O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico parece concebido pelos inteligentíssimos maçaricos-de-bico-direito.

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Engenheiro Técnico Agrário pela Escola Superior Agrária – IPB – Beja. Licenciado em Segurança e Higiene do Trabalho e Mestre em Gestão Integrada da Qualidade, Ambiente e Segurança pela Escola Superior de Segurança, Tecnologia e Aviação – ISEC – Lisboa. Foi durante mais de uma década responsável de Departamento da Qualidade, Ambiente e Segurança em diversas empresas. É consultor e formador em Sistemas de Gestão. É Professor Adjunto Convidado na Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Coimbra. Foi prelector / moderador em diversos congressos, seminários e work-shops sobre a temática da Segurança e Higiene do Trabalho e Gestão da Qualidade. É autor e co-autor de diversos artigos científicos publicados na área da Saúde Ocupacional. Desempenha actualmente as funções de vereador da Câmara Municipal de Pombal.