O Moinho Real que nos recebe ao som do rio Anços

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É na Redinha, junto à estrada que faz a ligação a Soure, que fica um pequeno paraíso, protegido do bulício do quotidiano e abraçado pelo rio Anços. Um antigo moinho de água do início do século XX foi transformado em alojamento turístico e desde o início de Agosto que é refúgio de famílias, oriundas de vários pontos do país, que dali saem com uma convicção: a certeza de um regresso.

O acesso ao espaço faz-se por um portão em madeira, junto à estrada principal que liga a Redinha a Soure, saindo do IC2. A partir dali, fica a sensação de que tudo o que a vista alcança é digno de um postal ilustrado. Há árvores frondosas no trajecto e inúmeras plantas, mas há também uma horta biológica, a mesma onde os clientes podem passar tempo livre ou, simplesmente, ir colher legumes ou ervas aromáticas para as refeições que ali confeccionam. Há tomates, feijão, abóbora, pimentos, morangueiros, couves e tanto mais.
A recepção de boas-vindas faz-se à entrada da “Casa do Moinho” com o sorriso aberto de Manuel e Graciete Domingues, o casal de Almagreira que, há três anos, decidiu transformar aquele que estava previsto ser um refúgio para a família, num espaço aberto a quem dele quisesse usufruir também.
É também ali que o casal dá início à visita guiada, talvez porque seja na “Casa do Moinho”, precisamente na zona da cozinha principal, que está um dos ex-líbris da unidade de alojamento: o moinho de água que o casal fez questão de recuperar e manter com os artefactos originais, proporcionando uma viagem ao passado, complementada por um espelho de água para observação do rodízio.
Para a maioria dos clientes, muitos deles provenientes das cidades e com filhos pequenos, esta é uma oportunidade rara de assistir à moagem do milho.
A história do Moinho Real cruza-se com um sonho de Manuel e Graciete. Procuravam “um sítio à beira do rio” quando descobriram o local (em ruínas, à época) que podia ajudar a concretizar esse desígnio. Em 2016, compraram o moinho e os terrenos ali à volta, mas perceberam que aquele que era para ser “um cantinho só para nós” merecia ser partilhado, perante as inúmeras potencialidades naturais que oferecia.
Avançaram com capitais próprios e, ao longo de três anos, edificaram um espaço que é o espelho da “resiliência” do casal, patente em cada pormenor. E são esses pormenores que têm feito toda a diferença no feedback dos clientes e na elevada procura desde que abriram portas. Já houve quem quisesse, inclusivamente, deixar reserva para o próximo ano, conta, com visível orgulho, Graciete Domingues. “O nosso primeiro cliente foi um casal de Aveiro. Reservaram oito dias e, logo no primeiro, resolveram ficar 16 dias”, recorda a proprietária. “Quisemos proporcionar um espaço de descanso às pessoas”, enfatiza, com grande privacidade, patente na preocupação em evitar muitas marcações em simultâneo, até porque as questões higieno-sanitárias são outra das prioridades na gestão da unidade, atendendo às actuais circunstâncias.
A cada metro percorrido percebe-se por que razão ninguém fica indiferente à vontade de repetir a experiência. Ainda na “Casa do Moinho”, para além da cozinha no rés-do-chão, é no piso superior que ficam duas das suites da unidade turística: o quarto do arroz, com varanda e uma vista soberba para o rio Anços, e o quarto do centeio. Os tectos em madeira e os tons neutros dominam a decoração, conferindo um ambiente harmonioso e elegante.
Já no exterior da “Casa do Moinho”, é tempo de descobrir as restantes suites, no “Edifício Celeiro”: é ali que se encontram o quarto da cevada, o quarto do milho e ainda o do trigo, numa alusão às origens do local. Numa destas suites está instalada a kitchenette, permitindo a casais com filhos fazer ali as refeições, sem necessidade de deslocação à cozinha principal.
Fora de portas, é o rio quem mais ordena. A pequena cascata, criada graças a um sistema de retenção instalado pelos proprietários, embala horas de descanso passadas no terraço exterior, onde não falta uma piscina natural para os mais pequenos, a partir da água do rio. Para os mais crescidos, o Anços, cuidadosamente limpo, convida a braçadas e mergulhos, rodeado de vegetação densa na margem que confina com os terrenos agrícolas, o que confere ainda mais privacidade ao local.
Há relva, cadeirões, mesas, chapéus-de-sol e uma churrasqueira, ingredientes para dias onde o relógio corre sem pressas. Mas há também instalações sanitárias de apoio e um chuveiro, de água quente e fria, cuja base é precisamente uma mó.
Para além de todos os pormenores colocados nas construções, privilegiando, na medida do possível, materiais naturais como as madeiras, Manuel e Graciete quiseram ir mais longe. O casal fez questão de preservar o meio ambiente e, nessa medida, são muitos os bons exemplos das práticas implementadas. A água do chuveiro exterior é canalizada para uma fossa estanque e, dali, bombeada para a beira da estrada onde foram construídas três fossas ecológicas para filtrar as águas sanitárias, evitando qualquer infiltração no curso de água. “Tivemos o cuidado de proteger o rio”, explica Manuel Domingues, que adianta, ainda, que é do Anços que vem a água que rega o jardim e a horta.
Para além de tudo aquilo que o rio proporciona, o Anços é também, naquela zona, ‘porto de abrigo’ de muitos peixes, de tal modo que os proprietários fizeram questão de criar uma plataforma de observação dos cardumes, com possibilidade de os clientes adeptos da pesca poderem desfrutar desse hóbi.
Manuel e Graciete Domingues dizem que o trabalho de remodelação do espaço ainda não está concluído, mas não escondem a satisfação pelos comentários positivos que têm recebido desde a primeira hora. Satisfeitos com a opção pela abertura do projecto ao exterior, impulsionada pelo apoio dos três filhos, o casal espera, quando a situação epidemiológica o permitir, começar a delinear um conjunto de iniciativas para dar a conhecer as potencialidades do local. Uma delas passa pela abertura da unidade de alojamento turístico aos alunos das escolas do concelho, que ali têm oportunidade de ver de perto um moinho de águia ainda em funcionamento.
“É um sonho realizado”, confidencia Graciete, que assume que não é o dinheiro que os move, “ainda que haja um grande investimento”. Acima de tudo isso está “o contacto com as pessoas”, o “gostar daquilo que faço”. Graciete e Manuel acreditam que o sucesso destes dois primeiros meses está não apenas nas condições que o Moinho Real oferece, mas também no bem receber. “Naquilo que faço, ponho muito amor”, sintetiza Graciete Domingues.