(N)A ESCOLA DA VIDA | Rostos, máscaras e restos

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A perspetiva de autores e historiadores sobre o Carnaval não é consensual, quer em relação à data do seu surgimento, quer quanto à origem do termo. Muitas são as teorias e as opiniões, mas existe um denominador comum: a festa, a dança, a música, a inversão de papéis, as cores e a alegria são alguns dos ingredientes que fazem parte da sua matriz genética, herdada ao longo dos tempos, geração após geração.
No Carnaval, dizem, “ninguém leva a mal”. Os dias e as pessoas centram-se no disfarce, na irreverência e na folia. Há uma verdadeira explosão de formas, cores, brilho, materiais e significados alegóricos. Predominam as brincadeiras facilmente perdoadas e as sátiras de acusação e provocação, direta e humorística, como se este período fosse uma bomba-relógio em contagem decrescente, responsável pela contabilização do tempo durante o qual “tudo” é permitido. Eis, assim, a altura do ano em que muitos experimentam viver personagens que gostariam (ou não) de ser.
Também pelo nosso concelho, nestes dias frios e humedecidos, várias localidades vestiram-se de cor e anunciaram desfiles e convívios que aqueceram laços sociais e iluminaram muitos semblantes. As máscaras deambularam, levando sorrisos às gentes e transformando as ruas em autênticos palcos de cor e fantasia(s).
Mas, finda a festa, não continuarão muitas pessoas a usar máscaras? Uns porque iludem os outros (ou tentam) com um “está tudo bem” quando, no mais íntimo (ínfimo e visceral) interior (e pormenor) desabam estruturas e referências, castelos de areia e de sonhos e modelos que, afinal, não o eram… mas sim, “está tudo bem”. Outros, porque querem (ou gostariam) de aparentar o que não são e erguem armaduras de ferro e de aço imunes ao mais singelo vestígio de ferrugem, com uma Ártica ou Antártida dentro do peito. Outros, ainda, porque há uma concha impenetrável a forças centrípetas e impermeável a quem, com pés de veludo e perfume no toque, gostaria de entrar.
A máscara poderá ser o que o “eu” quiser: é moldável e tem plasticidade. Como os heterónimos de Fernando Pessoa. O perigo de se usarem é o de nos perdermos no mundo da desejabilidade social e o de o nosso “eu” se tornar difuso.
No entanto, as máscaras não servem apenas para nos escondermos. Algumas ajudam a dar os primeiros passos quando fazemos de conta: “como se…”. Como se tivéssemos (mais) coragem, (mais) confiança e (mais) à vontade. E, quando menos esperamos, somos capazes de falar, de dizer “não”, de aparecer e de viver!
Mas… e se depois do Carnaval e de tudo isto nos despirmos de artefactos e tirarmos todas as máscaras e todas as construções que fizemos de nós próprios (e dos outros) ao longo da nossa vida, o que é que (nos) resta?

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Embora os documentos legais a identifiquem como natural de Pombal, foi em Coimbra que respirou autonomamente pela primeira vez. Assim, desde o penúltimo dia de dezembro de 1982 assumiu um compromisso com a vida: aprender a ser. Quase duas décadas depois regressou à cidade do Fado e do Mondego para dar continuidade à sua formação académica na área de Ciências da Educação. Aprofundaria aqui o significado de outro pilar: aprender a conhecer. Começou a aprender a fazer em 2007, quando a socialização profissional lhe abriu as portas no ramo da Educação e Formação de Adultos, no qual tem trabalhado e realizado investigação. Gosta de “sair por aí” e observar e fotografar todas as esquinas. Reserva ainda tempo para a escrita, sentindo-a como um elixir lhe permite (re)descobrir uma energia anímica e uma força motriz nos cantos mais inóspitos aos quais muitos olhares não associariam qualquer pulsar. É, neste campo, autora de obras literárias individuais e de vários textos e poemas publicados em coletâneas. E é assim que lê, sente e inala o mundo, num permanente aprender a viver com os outros.