“Carta Aberta a Fernando.”

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“Meus senhores, como todos sabem, há diversas
modalidades de Estado. Os estados sociais,
os corporativos e o estado a que chegámos.”

Fernando, palavras sábias que naquela noite foram proferidas para um punhado de homens fiéis e leais aos ideais de Liberdade e Democracia e sem demagogia ou qualquer pudor perduram para todo o sempre. Passaram quarenta anos, depois daquela noite em que partistes de Santarém rumo à Liberdade, ao encontro com o teu que é nosso destino e, o que nos resta é o estado a que chegámos…
Fernando, só visto e vivido é que se pode avaliar o que temos passado. (de) Um sonho lindo que se vai esfumando e se torna cada vez mais num pesadelo. Se não há uma guerra colonial, se não há tantos analfabetos ou tantos presos políticos e nem polícia política e de costumes, existe cada vez mais… o estado a que chegámos…
Fernando, sentimos todos os dias que o teu esforço de fazer brotar um Mundo novo, uma maneira de viver diferente, de sentir diferente, de ser diferente, está cada vez mais colocado em causa, não porque o povo o deseje, não porque o povo o procure mas sim e cada vez mais porque é o estado a que chegámos…
Fernando, pessoalmente deixei uma parte da minha vida naquela noite, perdi a aventura de ser, nem melhor nem pior mas diferente, mudei de terra, de país, de continente e até de hemisfério. Recomecei tudo em local distante, num país que nada me dizia, num continente que me é estranho mas ainda assim, graças ao que inicias-te, foi possível procurar fazer algo, nem pior nem melhor, mais uma vez, diferente mas infelizmente (e de novo para mim) chegamos ao estado a que chegámos…Fernando nunca tantos deveram a um só. O último a quem, se bem me lembro, tantos ficaram em divida, foi condenado à morte e crucificado entre ladrões confessos, sendo que deste acto quem governava daí lavou as mãos, outro houve que te condecorou postumamente bem depois de te recusar a atribuição de uma pensão. E assim sendo, é ao estado a que chegámos…
Fernando, se por cá ainda convivesses, viverias um momento quiçá único, tão estranho como aquele que viveste de vinte e quatro para vinte cinco de Abril de setenta e quatro, vivemos numa Europa forte fraquinha a fazer frente a Estados membros fraquinhos mas fortes e que só podia dar no que tem vindo a acontecer. Uma direita cada vez mais acutilante, mais arrogante e mais escolhida. Escrevo bem, mais escolhida e não encolhida e que nos anos muito idos, deu à luz um cabo raso que virou digestivo poderoso em vez de dar-nos um capitão valoroso que nos devolveu a Liberdade e Democracia, numa legalidade institucional suportada na legitimidade revolucionária mas agora vivemos no estado a que chegámos…
Fernando, o povo já não é quem mais ordena, a gaivota e a papoila já não são livres para voar e crescer e, infelizmente, a criança cumpriu o seu ideal depois de dizer que “…quando fosse grande não vou combater…”, fez mesmo isso e deixou de combater e nós… estamos no estado a que chegámos…
Fernando, “…ontem apenas fomos o povo a chorar na sarjeta dos que, à força, ultrajaram e venderam esta terra, hoje nossa. Somos um povo que cerra fileiras, parte à conquista do pão e da paz. Somos livres, somos livres, não voltaremos atrás.”
Mentira! Voltamos! E é ao estado a que chegámos…
Fernando, mas o que “…Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida. Que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança.”, e acreditando nos teus ideais, deixando para trás mesquinhas querelas e minudências políticas, económicas e sociais não façamos como Nietzsche afirmou “Se eu soubesse que era assim, não tinha dito nada.”, e sorrimos, pois é certamente a única forma correcta para que se vençam as adversidades desta vida. Por mais que possa dizer, escrever, contar, nada irá mudar o que aconteceu no passado mas com a certeza porém de que terá de ser possível construir um futuro melhor e como foi dito por ti, em mais um momento de lucidez, no Largo do Carmo;
“…Vocês brincam, mas isto é muito sério.”.
Vai por si, caro leitor.

Fernando Daniel Carolino