20 anos*

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O título deste artigo alude a um tema musical de uma banda portuguesa dos anos 70, os “Green Windows”. Como vemos, já nessa altura, os anglicismos eram bem vistos. Neste caso, justificadamente. Duvido de que um grupo musical que se apresentasse com o nome artístico de “Janelas Verdes” obtivesse um sucesso bombástico. Além disso, seria duvidoso de que os moradores daquela rua de Lisboa, entre o Kremlin e o Museu Nacional de Arte Antiga, aplaudissem a analogia. A letra desta música, escrita por José Cid e companhia, relata a história de um amor que resiste a uma separação de 20 anos sem sofrer qualquer beliscadela. A história de amor que lhes quero contar é um pouco diferente. Os 20 anos não foram de separação, mas sim de íntima irmanação. Os protagonistas desta história são o actual Presidente da Câmara de Pombal e o seu antecessor, agora Vereador. Epitetar esta história como história de amor, não pretende colocar em causa as respectivas “machezas”. O amor pode manifestar-se das mais diversas formas. Não só a carnal, como ficou amplamente demonstrado na passada campanha eleitoral. Para quem assistiu de fora à vida do casal durante os 20 anos, tudo parecia normal. Partilhavam a mesma “casa” e não se coibiam de verbalizar em público a solidez da relação. Tudo se alterou com a passagem de testemunho do papel de “macho alfa”. Descambou em arrufo. Isso, todos percebemos. Do alto da minha lhaneza, pensei que este desfecho se devesse a um mero choque de personalidades e de idiossincrasias. Quem teve a oportunidade de presenciar a reunião da Câmara Municipal do passado dia 24 de Outubro, ficou claramente com a impressão de que os 20 anos de “casamento” não foram assim tão pacatos. Fica-se mesmo com a ideia de que, durante esse período, houve episódios de violência doméstica capazes de fazer corar de vergonha o José Maria Carrilho. Nessa reunião, no ping-pong de acusações (mais parecia “pelota basca”, jogo no qual a bola é batida violentamente contra uma parede, chegando esta ao adversário com especial brutalidade), foram vertidas expressões como: viciação, favorecimentos, vantagens, negócios, licenciamentos em Reserva Ecológica, desconhecimento de competências, pressões, vingança, entre outras, sempre num tom de ameaça, sintomatizando de que muito mais estará para vir. Para os menos conhecedores dos textos bíblicos, foi bastante instrutivo. Elencaram-se quase todos os pecados mortais. Para os interessados noutro tipo de hermenêutica, outras questões assaltam o espírito: Que tipo de governança tivemos ao longo das últimas décadas? Qual é a fronteira entre a lealdade e a conivência? A transparência é um conceito concreto ou uma bela frase publicitária? O desfecho da inter-acção desta panóplia de factores é observável a olho nu: Um Concelho sem um claro modelo de desenvolvimento, envelhecido, com fortes desigualdades, incapaz de atrair emprego qualificado, com baixo poder de compra e parco desenvolvimento social. Uma cidade sem capacidade de criar novos elementos de centralidade e de diferenciação, inapta para cativar a instalação de ensino superior ou unidades de investigação. Paradoxalmente, e observando os resultados do último acto eleitoral, podemos constatar de que mais de 70% daqueles que se deram ao trabalho de ir votar (mais de metade dos eleitores “estiveram-se nas tintas” para as eleições) subscreveram a governança de décadas da “la Orange Époque” que ao fim ao cabo, e face ao que nos é dado a atentar, será mais “la Orange Pourri Époque”. As causas deste “status” merecem que, futuramente, se escrevam umas linhas. Uma frase que me ocorre de Immanuel Kant talvez explique alguma coisa: “O mérito e a inocência perdem-se quando deles nos sustentamos”.

*O autor deste artigo acha que o novo acordo ortográfico é muito pouco “transparente”.

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Engenheiro Técnico Agrário pela Escola Superior Agrária – IPB – Beja. Licenciado em Segurança e Higiene do Trabalho e Mestre em Gestão Integrada da Qualidade, Ambiente e Segurança pela Escola Superior de Segurança, Tecnologia e Aviação – ISEC – Lisboa. Foi durante mais de uma década responsável de Departamento da Qualidade, Ambiente e Segurança em diversas empresas. É consultor e formador em Sistemas de Gestão. É Professor Adjunto Convidado na Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Coimbra. Foi prelector / moderador em diversos congressos, seminários e work-shops sobre a temática da Segurança e Higiene do Trabalho e Gestão da Qualidade. É autor e co-autor de diversos artigos científicos publicados na área da Saúde Ocupacional. Desempenha actualmente as funções de vereador da Câmara Municipal de Pombal.