“Olá, tia Rosa“. Foi com esta saudação que João, seu vizinho de infância, a cumprimentou quando aquela esperava por um táxi para uma consulta no Centro de Saúde de Pombal. João, já não a via há mais de 40 anos, tempo em que esteve emigrado na construção civil, em França. Tempos difíceis, onde, para fugir da miséria, muitos foram obrigados a suportar os valores da viagem clandestina, pedida pelos “passadores “, fazendo empréstimos a juros elevados e/ou vendendo as pequenas propriedades agrícolas, já para não falar das condições de habitação em França, onde viviam, em pequenas barracas, quatro ou mais homens, em espaços reduzidos e sem qualquer privacidade.
“Imigrado” agora, em Pombal, João deu boleia à tia Rosa e, conversadora como esta era, lamentou-se que esperou mais de seis meses por esta consulta, que não tem ainda médico de família e que o Hospital de Pombal não tem médicos disponíveis, sendo um “parente pobre” do Hospital de Leiria. Parece que nos “abandonaram “, aos mais velhos e às nossas aldeias, lamentou-se ela. Veja lá, menino João, que até nos prometeram que a rede de transportes do Pombus seria alargada até à nossa freguesia, mas afinal… devem ter ficado sem combustível!
Enquanto homem conhecedor e viajado, João falou de programas e ações municipais, noutros concelhos e países e, que acabaram com aquele sentimento de exclusão e imobilidade:
– Rede de serviços itinerantes de apoio ao idoso nas áreas: da saúde, da logística, da alimentação, dos medicamentos e do lazer;
– Programa de “transporte a pedido”;
– Aproveitamento dos espaços/instalações das Associações Culturais, Recreativas e ou Desportivas, para a realização de consultas, atos de enfermagem, recolha de análises, recolha de documentação legal, distribuição de correio, entre outras.
A tia Rosa ouviu e, franzindo o nariz, um pouco desconfiada, lá foi dizendo que lhe pareciam excelentes ideias, pois até iria diminuir as deslocações e andar menos de transportes. Sabe, menino João, o problema é que isso “dá muito trabalho e demora muito tempo, e mais… precisamos de pessoas com coragem e confiança para os levar por diante, conclui a tia Rosa, um pouco pesarosa. Olhe, menino João, no nosso concelho fala-se muito em “felicidade “, há conversas e reuniões, mas é tudo “treta” de “políticos“. Parecem todos iguais! rematou ela.
João perguntou-lhe então, se tinha filhos, ao que respondeu que sim, tinha dois, mas que eram completamente diferentes, apesar de serem do mesmo pai e mãe.
Está a ver tia Rosa, não somos todos iguais! contraditou João.
Tem razão! retorquiu ela e aproveitou a deixa, para falar dos filhos, que tiveram de abandonar o concelho de Pombal, um para Lisboa e outro para a Suíça, pois não conseguiam, aqui, um emprego compatível com o seu curso (Engenharia Informática e Biotecnologia).
Sabe, mas o mais grave foi também não terem conseguido uma casa digna e acessível para arrendar, para já não falar de não encontrarem vaga numa creche para os seus filhos. Concluiu a tia Rosa de semblante triste e consternado, e lamentou-se ainda: Tive pouca sorte em viver neste concelho, podia ter nascido noutro e a vida podia ter sido muito melhor.
Já reparou, menino João, que nos últimos 40 anos, o concelho de Pombal pouca ou nada avançou em termos de mudanças visíveis. Foram feitas algumas melhorias e, acima de tudo, muitas festividades! Eu até gosto de dançar e bailar, mas tudo o que é de mais, “sabe a desgoverno”! Noutros tempos, ainda foram feitas coisas boas: a variante e o parque industrial Manuel da Mota, com impacto nas pessoas e no desenvolvimento do concelho, obras do Eng. Guilherme Santos, que Deus o tenha! rematou a tia Rosa.
João, um pouco apreensivo, nem deu conta que já descia a ladeira dos Leais, quando, instintivamente, deu um grito: Olhe, parece que temos neve na serra da Sicó! Com um olhar irónico, a tia Rosa, fez um risinho maroto e explicou-lhe que o que ele via eram duas enormes pedreiras que, lentamente, iam engolindo a serra.
Até a serra do Sicó, nos querem tirar, menino João. Uma tristeza, uma infelicidade!! Diga-me lá, para “ser feliz” em Pombal, não é também muito importante conservar e melhorar a nossa serra? Agora, que os políticos tanto falam do Ambiente! rematou a tia Rosa.
João, lembrou-se da sua infância, sentiu “a água a crescer-lhe na boca” ao recordar o sabor dos queijos produzidos naquela serra, que a sua mãe comprava no mercado das segundas-feiras, em Pombal e nem deu conta que estava a entrar na cidade, já muito perto do Centro de Saúde e a sua memória levou-o até aos anos idos das “futeboladas” no Estádio da Palha. Saudades do” imigrante”, regressado, pensou ele.
Pode parar aqui, obrigada. (acordou-o a tia Rosa) Temos de fazer mais viagens como esta para lhe mostrar outros pontos “de espanto” no nosso concelho, como por exemplo a nossa “universidade encaixotada “! Mas isso fica para outra altura, pois não quero fazer esperar o Dr. Fernando Matos, excelente médico, não muito conversador, mas competente e dinâmico. Percebe, menino João… transmite-me confiança.
Olhe, daria um bom Presidente da Câmara, que bem precisamos!
Manuel Gonçalves
Candidato à Assembleia Municipal pelo Partido Socialista
*Artigo publicado na edição impressa de 5 de Junho