Uma história estranha mas actualíssima

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Tínhamos combinado em casa. Quando pelas 22 chegasse da diálise, ao abrir a porta dissesse: ‘sim!’ – tinha corrido bem; ou ‘sim assim’ – nem por isso; ou então ‘ não’ – claro, tinha corrido mal. Ela responderia, em correspondência: ‘ah bom!; ‘o que foi?’; ‘então porquê?’. Daquela vez, ela só respondeu, de ao pé do televisor, em tom de sofredor queixume : ‘Vem aqui!…’ Estava estendida no chão com uma perna travando a outra sem as poder mover. Estava ali há duas horas sem conseguir levantar-se, sequer mexer-se! E eu, aflito, também não fui capaz! Não tinha outra hipótese: liguei, claro, para o 112. Os bombeiros não tardaram – um bombeiro e uma enfermeira – com a qual aprendemos a levantar uma pessoa naquele estado: “Ponha as duas mãos agarradas por cima do meu pescoço”. E lá nos levaram para a ‘urgência’. Triada e observada, ficámos lá até às 3 da madrugada.
– Temos alguma coisa a pagar?
– Não, podem ir embora.
Passado um mês, na caixa do correio, um envelope dos bombeiros com uma factura de 10 €. Um médico tinha anotado, como justificação, que “não era episódio de urgência”(!…) E agora, somos levados a pensar que esses episódios de urgência (não era o primeiro…) já prenunciariam a doença que acabou por ser-lhe diagnosticada. Parkinson, pois!… É claro, peguei na factura e fui ao Quartel-General: – “Venho pagar esta estranha factura, não tenho outro remédio, pois não?! Passaram-me o recibo que guardo para nossa triste lembrança….
– “Olhe, por favor, queria pagar também a quota. Veja quanto é.
–“40 euros”.
– Ah sim, faz favor, doravante baixe para 30!
À austeridade obtusa e desumana do poder injusto, temos de responder com procedimentos pedagógicos de poupança e protesto! (Estudámos Pedagogia e Cidadania, não foi?…). Mas, atenção, como prova de que continuo a admirar e a respeitar os Bombeiros, como eles merecem, aqui fica expresso no soneto em alexandrino, composto na inauguração do monumento da grande rotunda, dele arrancando os chavões heróicas a ilustrar os ‘bombeiros de chumbo’ que, apagando com água fogos de água, simbolizam os verdadeiros heróis dos incêndios desta nossa desgraça, devastadora!…
Pombal,
15 de Julho de 2014

Por decisão do autor, neste trabalho não se adopta a ortografia do chamado Novo Acordo Ortográfico

V I D A PO R V I D A

Num livro da primária a que perdi o tino
Havia um belo texto em estilo de epopeia
Exaltando bem alto a vida, o destino
Do homem que combate o fogo que se ateia.

Lembro-me bem de ouvir, era ainda menino,
Alguém sabendo já das coisas da Odisseia
Lê-lo em alta voz, como se fosse um hino
Aos feitos dos heróis, em grata melopeia.

Eis a coroa que é seu heróico valor:
Sacrifício supremo, abnegação, fervor
E coragem sem fim dedicação extrema.

De nossas vidas guarda atento e vigilante
Em solta prontidão, sempre a cada instante:
“Vida por vida” – lá dizia “é o seu lema!”
A todos os Bombeiros

especialmente aos de Pombal

que estão mais perto

da minha porta…

Aqui se repetem no poema
copiados do monumento,
os belos chavões que bem
expressam a alma abnegada
e a vida por vezes heróica
dos Guardas da nossa vida
e dos nossos bens…