O GRANDE CHEFE ÍNDIO…

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Manuel Duarte Domingues

manuel.duarte.domingues@gmail.com

… Estava calmamente sentado, num banco corrido, mesmo à saída do restaurante e à entrada do bar, naquele aprazível rancho das Montanhas Rochosas. Não tinha cocar de penas coloridas na cabeça, nem machado de guerra, nem fumava o cachimbo da paz, apesar de ter um ar de quem estava em paz consigo próprio.
A finalidade da sua presença no rancho era meramente turística, porque os viajantes ocasionais aproveitavam para tirar uma fotografia ao lado do cidadão “pele vermelha”, o que tinha a sua piada, especialmente para aqueles europeus que, como eu, na juventude, se tinham deliciado com histórias de índios e cowboys, quer em livros, quer em filmes.
Aquele magnífico almoço em que saboreámos um excelente bife de búfalo, feijão e outras iguarias, acompanhado de um excelente vinho (obrigatório, porque a viagem era organizada por um clube de vinhos), fez-nos sentir no far-west, aspirar o seu ambiente, interiorizar o seu misticismo, sentir a sua magia.
Aquela viagem ao Canadá estava a ser magnífica. Antes, já tínhamos visitado uma aldeia índia, onde o único vestígio índio era uma estátua metálica dum guerreiro índio implantada num pedestal situado no centro de uma rotunda à entrada da aldeia. Não vimos qualquer índio ou índia a trabalhar naquele complexo turístico.
Tínhamos lá chegado, através de estradas planas ladeadas por pomares verdejantes, com árvores fruto de várias espécies cuidadosamente plantadas e tratadas, por entre cordilheiras de montanhas arborizadas e algumas ainda com neve nos seus cumes mais altos. A viagem calma de autocarro, permitia-nos admirar essas magníficas paisagens verdes e os vinhedos, porque, como já referi, se tratava de uma viagem turística organizada por um clube de vinhos.
Questionada a ausência de índios nessa aldeia apelidada como tal, a resposta do guia foi esclarecedora: o Estado Canadiano entendeu indemnizar os nativos, habitantes naturais antes da colonização (chamados “first nations”) porque todos os terrenos seriam inicialmente seus, garantindo-lhes um rendimento que lhes permitia a subsistência sem problemas. Mas, como não trabalhavam, porque não precisavam, ocupavam o seu tempo a fumar e a beber, o que estava a criar problemas sociais preocupantes.
A analogia com algumas situações nesta nossa Europa socialmente desenvolvida era inevitável: rendimentos mínimos de inserção ou de sobrevivência, subsídios de desemprego, mesmo quando se podia trabalhar (recorre-se muitas vezes a emigrantes porque os “nativos de cá” não querem executar aqueles trabalhos, dado o horário, o esforço, etc.) e outras benesses sociais, que acabam por provocar problemas sociais devidos à inatividade.
Confirmámos que o Canadá é um país especial, governado por gente competente, que privilegia a ação (preocupando-se com os resultados) e não a representação (esquecendo as vaidades pessoais), trabalhando para progredir e acautelar o futuro. Estão guardando, como reserva, as imensas e variadas matérias-primas naturais que existem no seu subsolo, preferindo importá-las do exterior no presente, prevenindo assim o futuro. Poderíamos concluir que se trata de uma posição egoísta, mas é uma forma de gerir e se os outros fornecem as matérias-primas sem problemas, não se pode criticar o facto de guardarem as suas como reserva.
Situação semelhante se verifica com a Noruega no que diz respeito aos rendimentos provenientes da exploração do petróleo no Mar do Norte. Em vez de gastarem o dinheiro no presente, aplicam-no num fundo soberano, com o objetivo de preparar e salvaguardar o futuro. Os governantes noruegueses estão naturalmente preocupados com o futuro do país e com as próximas gerações e querem deixar uma situação confortável que lhes permita manter um nível de vida digno e promissor. Trata-se, sem qualquer margem para dúvidas, de uma gestão prudente, patriótica e eticamente correta.
A comparação com o caso português e com o modo como o País tem sido governado é inevitavelmente obrigatória. Gastámos rios de dinheiro em infra estruturas tantas vezes desnecessárias, tais como estradas, pavilhões desportivos, estádios de futebol, piscinas, etc., etc. Mas, como não tínhamos dinheiro, endividámo-nos para fazer estas obras. Com isso, a dívida pública portuguesa aumentou de forma extraordinária, para níveis que nos fazem estar à frente na Europa. Mas, negativamente, pelas piores razões.
Deste modo, deixamos às próximas gerações, uma pesada e péssima herança. Em vez de terem a vida facilitada, irão ter que suportar os efeitos da dívida, amortizar o capital e pagar os juros da enorme dívida pública que lhes deixamos.
Costumava dizer que para manter as regalias sociais que os nossos governos, demagogicamente, têm atribuído aos Portugueses para ganhar eleições, seria necessário que existisse um poço de petróleo na plataforma marítima em cada km da nossa costa. Mas, agora, vendo o modo como o País tem sido governado nos últimos vinte anos, parece-me que isso já não seria suficiente. Temos uma facilidade extraordinária em gastar recursos na gestão pública, esquecendo que o dinheiro é de todos e que, por isso, tem que ser bem gerido. Mas, regra geral, não nos temos preocupado em poupar.
Não fazemos como os canadianos, muito menos faríamos como os noruegueses. Porque, para isso, é preciso mesmo trabalhar, aproveitar os recursos naturais para produzir riqueza, acrescentar valor. O sistema não pode permitir que se possa viver sem trabalhar, podendo fazê-lo, subsistindo à custa do erário público. Na realidade, o que tem sucedido, é que preferimos imitar os gregos.
Enquanto não nos consciencializarmos de que só pode ser distribuída a riqueza que for criada, continuaremos a ter problemas porque os desequilíbrios serão impossíveis de ultrapassar. E a imagem do grande chefe índio não pode servir, na vida real, de modelo a seguir.
Podemos gostar de histórias de índios e cowboys, até porque, nelas, o que vem ao de cima é a valentia, a coragem, a destreza, a inteligência, a paciência e outras qualidades inerentes a um bom guerreiro. Só que a guerra agora é outra. Teremos que usar outras armas para trabalhar, construir e produzir riqueza, para que esta possa ser distribuída de modo justo, compensando quem merece. Só assim teremos futuro.