Se eu fosse criança novamente…

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Confesso-vos que me apetecia escrever sobre a silly season política que se adivinha, mas vou deixá-lo para mais tarde (porque, como se diz na minha terra, quanto a este assunto “a procissão ainda só vai no adro!”).
Hoje é dia 1 de junho, o maravilhoso Dia Mundial da Criança! Para mim, este dia sempre foi inspirador; quando andava na escola primária (atual primeiro ciclo), hoje não havia aulas. Durante todo o dia tinhamos atividades na rua da minha aldeia, sendo o largar dos papagaios acabados de construir nos tempos livres o maior culminar da celebração. Sabiam que naquela altura, e particularmente nas últimas semanas de maio, passavamos as últimas horas dos tempos letivos (eu tinha aulas entre as 13h e as 18h; não havia AECs nem Estudos Acompanhados) a preparar com imensa alegria os papagaios que largavamos neste 1 de junho? Eu sei, pareço uma velha a pensar (daquelas que está sempre a defender que “no meu tempo é que era bom”), mas não é isso o que me ocorre. Refiro-me à simbologia da “liberdade” repousada nestes construir e largar. Devem estar a pensar: impossível dispensar horas letivas para a elaboração de papagaios; ainda mal estamos refeitos do presente do Dia da Mãe (raios parta os miúdos de hoje em dia que não querem fazer o que pensamos para eles!). E com o 2º ciclo à porta, nem sequer podemos pensar na hipótese de dar a estes miúdos rebeldes e imaturos de hoje em dia a possibilidade de um dia de folga, quando há ainda tanto programa para cumprir (o período está no fim, e a maior parte deles ainda não sabe o que os espera… para o ano é que vai ser bonito!).
Pois é, sabiam que, no meu tempo, estes miúdos (eu incluída) que lançavam papagaios alegremente sem competir pelo mais bonito e melhor construído (até porque nunca nos tinham falado em quadros de honra e mérito), também eram imaturos e rebeldes? Estranho, não acham? Que irresponsabilidade e falta de bom senso! Quando muito, o 1 de junho deverá servir para visitas de estudo, para que eles aumentem a sua cultura geral porque só vêem ecrãs à frente!
Caramba, se eu fosse criança novamente e me fizesse ouvir, notem o que eu gostaria para este 1 de junho: adoraria que adorassem o meu papagaio (mesmo não sendo o mais bonito ou perfeito tecnicamente), que me deixassem estar tranquila neste final de ano letivo porque é uma altura mais feliz do que as próprias férias (que são aborrecidas de tão longas), que parassem de me dar na cabeça por não ter tido melhores notas (já que o ano está no fim e pouco mais há a fazer), que evitassem dizer-me que para o ano é que vai ser (porque daqui até para o ano ainda falta muito e eu nem sequer sei a que se referem), que parassem de exigir dos meus pais para que sejam perfeitos e que façam tudo o que os livros e os pediatras mandam (eles ficam a sentir-se culpados e depois descarregam em mim; e com essas descargas eu não aprendo), que me deixassem aproveitar melhor o tempo livre para fazer o que realmente gosto de fazer sem ser obrigada a isto ou aquilo para concentrar-me melhor e aprender regras (não sabem que levo com regras o dia todo?), e que me deixassem sonhar e ser livre… deixem-me construir o meu papagaio (se me derem tempo e me incentivarem, prometo que darei o meu melhor) e dêem-me um dia pelo menos para que eu o possa soltar sem medo que o achem feio ou mal feito! Feliz Dia Mundia da Criança 

Andreia Azevedo
Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde
Especialista em Psicoterapia
Psicoterapeuta Cognitivo-Comportamental Acreditada
Investigadora PhD
Diretora Clínica d(o) a Psivalor- Núcleo de Intervenção em Saúde Mental