“Experiência de vida”

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pedro brilhante

 

Pedro Brilhante

 

É daquelas expressões que ouvimos vezes sem conta e nos mais variados contextos. Não é exclusiva dos que têm mais idade mas é transversal na tipologia de quem a refere – tendencialmente quando não têm muito para dizer ou sabem pouco sobre o que se propõe a opinar – é aquele “lugar-comum” de quem se quer colocar numa cadeira mais alta mas que não tendo ainda subido as escadas, lá vai tentando chamar pelo elevador. A ideia de que para se fazer qualquer coisa importante é ne­cessário “experiência de vida” não é em si mentira e podemos até quantifica-la na lei – 18 anos a “experien­cial” o estado vivo para ser considerado adulto de ple­nos direitos e deveres – já a sua versão abstracta e não quantificável não passa de uma aldrabice “patológica” que deriva da inflamação continuada ou momentânea do olecrânio.

Mesmo quando analisamos o conteúdo da expressão percebemos que não se trata de coisa nenhuma, nem se baseia em qualquer realidade estável. Se assim fosse ninguém falharia com 60, nem haveria qualquer mais-valia aos 25. Mas mesmo quando a expressão se aplica aos “anos de experiência” e não apenas à idade, a realidade também nos mostra a dimensão do absurdo que nela encerra, sendo que alguém com 20 anos de experiência seria sempre mais bem-sucedido do que alguém com 2 ou 3 anos apenas. Não haveria lugar à distinção por capacidade e competência, essas viriam com o tempo e com o exercício, deixando de ser carac­terísticas para passarem a ser “skills”.

Mas é na área politica que esta atinge toda a sua mag­nitude e encontra a o seu campo mais fértil para se espalhar – ao comprido no caso. São poucos os que resistem à tentação de proferir a mais absurda das sen­tenças: “Quem? Oh falta-lhe experiência de vida”. Entre o “nunca fez nada” e o “só lá está porque veio dos Jotas” – confesso que a que mais aprecio é aquela que envolve a falta de prática no manuseamento de uma enxada – são inúmeros os argumentos válidos que comprovam a incompetência do individuo para assumir quaisquer responsabilidades politicas. Sempre tendo em consi­deração a especificidade do cargo a ocupar e o “saco comum” de onde saiu o jovem – quer seja o saco da “tenra idade”, quer seja o saco do “partido” – o que não pode acontecer é uma avaliação cabal do próprio ou a consideração individual do seu percurso – isso é coisa para os senhores dos laboratórios, o consumidor só tem de olhar para o rótulo.

Vamos esquecer este tipo de preconceitos e ser hones­tos na análise por um instante: Para um cargo politico, de gestão politica, de orientação politica… qual é a gran­de vantagem de ter sido advogado? Ou engenheiro? Ou médico? Ou agricultor? Ou empresário? E mesmo que seja o melhor da minha área o que me garante que isso faz de mim um bom politico? A política é um acto de visão e de aplicação dessa visão para uma sociedade integrada e inteira. É um exercício que abrange todas as áreas do saber e não apenas aquelas em que me especializei ou com as quais tive contacto profissional. O político não é técnico, por isso se rodeia de técnicos (esses sim, têm de ser específicos de cada área) para melhor tomar as suas decisões. A política é um acto de liderança e de influência, não é uma execução técnica de uma tarefa, não pode por isso ser comparado a uma profissão comum, nem deve ser encarado como opção de carreira única.

Não quero dizer com isto que qualquer pessoa pode pe­gar, de forma aleatória, em qualquer pasta política, isso seria um absurdo. É óbvio que a formação académica ou a área de actuação profissional influenciam muito a área política de actuação – mas isso é o senso comum. O que pretendo dizer é que a capacidade demonstra­da e a experiência adquirida enquanto profissional não invalidam a capacidade política, mas estão longe de a validar só por si. Não interessa a idade de um incompe­tente nem a experiência de um génio, o primeiro nunca interessa e o segundo interessa sempre. Ninguém é novo ou velho de mais para o que seja.