Jornalismo de afectos

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O jornalismo regional como o conhecemos morreu graças às auto-estradas. As de alcatrão e as de informação. O mundo mudou e nós com ele. A nossa terra já não nos define. Nem o nosso curso. Nem o nosso emprego. E é com isto que temos de lidar enquanto jornalistas.

Bem vistas as coisas, o jornalismo nacional também morreu. A SIC Radical tinha como um dos seus picos de audiência o Daily Show, que versava grandemente a política norte-americana. Sabemos mais quem é o malogrado Aylan Kurdi do que o nome do nosso presidente de Junta. Andámos com fotos nas redes sociais com o “Je suis Charlie”, mesmo sem termos nunca lido o jornal satírico.

E é com este desafio que os jornalistas regionais do futuro terão de lidar: um mundo que nos pulveriza através de inúmeros estímulos mediáticos. Ser jornalista em Pombal não é ser apenas jornalista para Pombal ou para os pombalenses: é ser jornalista para o mundo que se interessa por Pombal. E isto muda as regras do jogo do jornalismo como nós o aprendemos durante gerações. Pombal tem uma marca. E é essa marca que ancora a sua visibilidade mediática. Seja a centralidade, o castelo, o Manjar do Marquês ou a terra onde foi morrer Sebastião José de Carvalho e Melo.

Cada vez mais o jornalismo tem de ser um jornalismo para as pessoas e para os seus afectos. Quem paga um jornal de Pombal fá-lo porque se sente recompensado no que lê. E para tal é necessário que esteja bem escrito. Mas isso não é suficiente. Tem de nos envolver na narrativa e conquistar-nos. Claro que a referência territorial permanece, mas não define a notícia, é somente um adereço.

A internet democratizou o acesso à informação, mas, mais do que isso, volatilizou a fidelidade aos meios. As assinaturas são algo do passado e as subscrições online nunca viabilizarão, por si só, qualquer projecto. Por isso, o desafio é novo: produzir todos os dias notícias que interessem aos nossos clientes, como uma vitrina de loja constantemente renovada. Se a história é boa, se o vídeo é bom, então a partilha não tem limites. Eu sou de Pombal quando faço gosto ou promovo uma notícia que me interessa. E por isso, são pombalenses não apenas quem vive no concelho, mas todos os que, de algum modo, lidam com Pombal, mesmo que nunca tenham ido ao Bodo.

Nem tudo é mau. A imprensa regional, através do online, consegue hoje chegar onde nunca conseguiu chegar: atrair estudantes pombalenses que vivem fora da terra, fomentar o envolvimento dos emigrantes ou atrair novos públicos. Agora, para isso é necessário assegurar qualidade do produto final. Não vale a pena pensar em amadorismos ou radicar os projectos em voluntarismos que têm sempre um limite muito pequeno.

Mais do que um jornalismo local, regional ou nacional, o futuro passará, na minha opinião, por um jornalismo de afectos. Criar um nicho de referências que unem o consumidor ao produto e que fidelizam um grupo de cidadãos a um espaço noticioso. Não interessa o canal, o que vale é o conteúdo. O que vale é o que pomos de empenho em cada notícia e a seriedade em cada ângulo. O resto vem por acréscimo. Acredito pouco na morte de projectos jornalísticos de qualidade. Se morrem é porque não estavam adequados ao seu mercado. Se não estavam adequados, é porque não tinham qualidade. Porque a adaptação é também uma qualidade, porventura a mais importante de todas, no jornalismo dos dias de hoje.

Paulo Agostinho

Jornalista | Editor da Lusa