Impactos negativos do investimento da Lusiaves preocupam moradores da Guia

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Continua a aumentar a contestação popular contra a criação de uma nova unidade industrial de processamento alimentar do Grupo Lusiaves na Zona Industrial da Guia (ZIG). Os moradores temem os impactos negativos no ambiente e na qualidade de vida, pelo que interpuseram uma providência cautelar para travar o investimento. O presidente da União de Freguesias garante que só emite o parecer com base no “conhecimento profundo” da actividade. Já o presidente da Câmara Municipal não compreende a contestação, uma vez que o PDM prevê aquela área para zona industrial e o projecto ainda não é conhecido.
O Grupo Lusiaves adquiriu, há cerca de um ano, um terreno com mais de 120 mil metros quadrados na ZIG para instalar uma unidade industrial. Desde essa altura tem vindo a crescer a contestação em torno deste investimento, o que levou a AMAGO (Associação de Moradores e Amigos da Guia e Oeste) a interpor uma providência cautelar, junto do Tribunal Administrativo de Leiria, com vista à “suspensão dos actos de licenciamento” das obras.
A AMAGO considera “preocupante” o “impacto social, ambiental e de infra-estruturas” que este investimento poderá causar na vila da Guia. Afinal, segundo o pedido de informação prévia, prevê-se instalar ali um edifício com 12 a 14 metros de altura, 160 metros de frente e 190 metros de profundidade, perfazendo uma área de construção total superior a 30 mil metros quadrados.
Esta área corresponde à soma do espaço ocupado pelas instalações da Lusiaves na Marinha das Ondas e Gala (Figueira da Foz), Santarém e Almeirim, constatou Sandra Ferreira, receando que a empresa transfira todas essas unidades para a Guia, conseguindo “unificar tudo num único espaço”. A concretizar-se, seria uma “situação assustadora” com impactos não só para a Guia, mas também para a “Ilha, Mata Mourisca e outras localidades” nos arredores.

Prejuízos ambientais
Outra preocupação prende-se com a “escassa informação” sobre o tipo de indústria ali a instalar, até porque “é consensual” que a área de negócio da empresa “causa prejuízos tanto ambientais como na qualidade de vida das populações”, não só “no sítio onde se instala”, mas “também nas terras circundantes”. “Assim, a localização desta unidade industrial deve ser cuidadosamente acautelada, ponderada e estudada”, adverte a AMAGO, defendendo que seria “pertinente” o município e a Junta promoverem “uma maior transparência neste procedimento”.
Por outro lado, o terreno adquirido encontra-se na “zona de protecção do aquífero da Mata do Urso”, que abastece “aproximadamente 185 mil pessoas”, salientou a presidente da AMAGO na última reunião de Assembleia da União de Freguesias de Guia, Ilha e Mata Mourisca, realizada a 31 de Março.
Ora, tendo em conta estes argumentos, Beatriz Branco entende que o presidente da Junta “já tem informação suficiente para tomar uma posição que defenda os interesses da nossa terra”.
“Somos, se calhar, o único local do país em que a Junta não está do lado dos fregueses, o município não acautela o bem-estar da população e ainda somos classificados como ingratos perante os investidores e que temos interesses alheios e económicos”, lamentou na mesma reunião Cidália Cardoso. “Queremos ver acautelado são os nossos direitos e qualidade de vida”, salientou, sublinhando que tal exigência não será cumprida quando tiverem na freguesia uma empresa que ocupa o “18º lugar” no ranking nacional de empresas mais poluentes.
Por isso, é “com profunda mágoa” que Telma Domingues vê o crescimento e desenvolvimento urbano da vila da Guia, pois “a qualidade de vida de quem cá vive, visita ou trabalha ficará hipotecado num futuro próximo”.
Estas preocupações da população foram corroboradas por Filipe Soares, residente na Marinha das Ondas, onde se situa uma unidade da Lusiaves. “Em termos de investimento, não é muito significativo para a freguesia, uma vez que os trabalhadores são quase todos de origem asiática”, logo, “o emprego criado é nulo”. Já “a neutralização de odores não acontece”. Por outro lado, “as habitações são desvalorizadas” e “o futuro poderá ser pesado em termos de saúde e qualidade de vida das pessoas”.

Unidade para transformação de produtos alimentares
O presidente do município rejeita as acusações de falta de transparência no processo, alegando que “mais aberta que esta discussão era impossível”. Por isso, Diogo Mateus não compreende que haja “tantas manifestações antes de se conhecer o projecto”, que irá ocupar terrenos previstos no PDM como espaço industrial.
O autarca considera que esta contestação gera “uma má reputação” do território, contribuindo para os investidores olharem com “desconsideração generalizada” para o concelho.
“Não é assim que se traz riqueza para o nosso território”, reiterou o vice-presidente da autarquia, alertando que “com actuações nestes termos, não há empresário nenhum que queira investir no concelho de Pombal”.
Relativamente ao tipo de indústria, Pedro Murtinho informou que, “segundo o Pedido de Informação Prévia (PIP) já entregue nesta casa”, a empresa pretende instalar na ZIG “uma unidade industrial de cariz agro-industrial para processamento alimentar voltada para a produção de preparados e pré-cozinhados de carne e produtos à base de carne”. “No fundo estamos perante uma unidade de entreposto frigorífico e tratamento e transformação de produtos alimentares”, referiu o vereador, adiantando que “as águas serão exclusivamente as da lavagem de equipamentos, instalações industriais e sanitárias”.
Os esclarecimentos de Diogo Mateus e Pedro Murtinho foram dados na última reunião de Câmara Municipal, realizada a 26 de Março, em resposta ao vereador Pedro Brilhante, que questionou se o investimento ressalvava as preocupações da população, pois “parece que o processo está envolvido em demasiadas questões que não são claras”.

PIP não é esclarecedor
A Junta de Freguesia considera que o PIP “vem desprovido de grau de pormenor que nos ajude a compreender efectivamente os reais impactos da actividade proposta”. Por isso, pediu ao município que “solicite à empresa Lusiaves elementos que nos permitam emitir um parecer final baseado num conhecimento profundo”.
Assim, o executivo de freguesia pretende ser esclarecido sobre “o tipo de resíduos, o método de tratamento das águas residuais, a produção de odores na sua envolvência, os horários de funcionamento, os volumes de tráfego, o índice de ruído resultante da actividade, o enquadramento estético e paisagístico com a envolvente, entre outros”.
Na resposta enviada à Câmara Municipal, a Junta sublinha igualmente que “a falta de esclarecimento prévio relativamente às dúvidas legítimas da Junta de Freguesia e da sua população resultará num parecer negativo”.
“Não obstante, a emissão de um eventual parecer positivo não descurará da nossa parte a apresentação de um estudo de incidências ambientais e de impacto socioeconómico promovido por uma equipa multidisciplinar, assim como a assinatura de um compromisso de não implantação de matadouros ou estruturas congéneres, quer no presente ou mesmo no futuro, a médio ou longo prazo”, frisou o presidente da Junta, citando a resposta enviada à Câmara.
Gonçalo Ramos assegurou ainda que “a natural preocupação de todos tem sido transmitida” e informou que pediu ao município que “não emita o seu parecer formal sem que este seja acompanhado do parecer formal desta freguesia”.
A resposta da Junta de Freguesia foi fundamentada na análise do PIP feita por André Mota, engenheiro de energia e ambiente, que entende que “o PIP tem de ser muito mais esclarecedor”. De acordo com aquele ilhense, “desconhecendo a actividade que vai ali laborar, não sabemos ao certo o impacto que terá” em termos “ambientais, de contaminação das águas, dos solos, do ruído e atmosférica”. Também “não sabemos se vai ou não haver exploração dos nossos aquíferos, que é um tema importantíssimo”, frisou.
“Não estou a dizer que a unidade não deve vir para cá, porque certamente também terá impacto positivos, sobretudo na economia local, mas se essa posição for tomada, que seja de forma madura e coesa”, concluiu.

CARINA GONÇALVES | Jornalista
*Notícia publicada na Edição nº 203, de 8 de Abril