EM LUME BRANDO | Menos estigma, mais compaixão

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“Olha-me aí essas banhas!” – quem nunca ouviu alguma vez na vida este tipo de comentários vindo de um familiar (mãe/pai/tios/avós, etc)? Espero que a maior parte não tenha tido o desprazer de ouvir uma frase do género, mas creio que alguns leitores se identificarão, infelizmente, com a expressão.
O tema do Dia Mundial do Combate à Obesidade de 2018 é o estigma da obesidade, que se define pela discriminação com base no peso de uma pessoa. O estigma do peso pode aumentar a insatisfação corporal, levando a fatores de risco de desenvolver distúrbios alimentares. A maior influência, e a mais conhecida, para o desenvolvimento de distúrbios alimentares é a idealização sociocultural da magreza. O estigma do peso é uma das últimas formas de discriminação socialmente aceites.
De acordo com a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), “A obesidade é uma doença crónica, complexa e multifatorial que ultrapassa as escolhas individuais. A ideia estigmatizante de que a pessoa com obesidade é responsável pela sua condição, por Ser “preguiçosa” ou não ter autocontrolo, retira o profissional de saúde da equação da eficácia do tratamento, responsabilizando unicamente a pessoa pelo sucesso do mesmo”.

Em caso algum se pode considerar aceitável discriminar alguém com base no seu tamanho, no entanto, a humilhação e culpabilização acontece em todo o lado – no trabalho, na escola, em casa e até no consultório médico. De facto, a discriminação pelo peso ocorre mais frequentemente em relação à discriminação de género ou de idade.

O estigma do peso é perigoso e pode aumentar o risco de questões comportamentais e psicológicas adversas, como depressão, má imagem corporal, baixa auto-estima e compulsão alimentar (binge eating).

As pessoas que vivenciam este estigma, reportam os médicos e os membros da família como sendo as suas fontes mais comuns. Entre os membros da família, a provocação baseada no peso e a conversa sobre dieta estão ligados ao comportamento de compulsão alimentar, aumento de peso e comportamento de controlo extremo do peso. Relativamente aos profissionais de saúde, quando falam com os pacientes obesos, tendem a providenciar menos informações acerca da saúde; passam menos tempo de consulta com eles e olham para estes pacientes como indisciplinados, chatos e não complancentes com o tratamento.
Neste sentido, é importante que haja uma atuação mais positiva, evitando imagens e linguagem estigmatizantes para se retratar a obesidade de forma justa, precisa e informativa, de forma a aumentar a eficácia do tratamento. Devemos retratar antes o ambiente obesogénico que leva ao aumento da obesidade ao invés de nos focarmos nas pessoas obesas.
Uma imagem corporal negativa durante a infância pode ser fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias em idades tardias. A internalização de um corpo ideal magro aumenta o risco de transtornos alimentares por meio de insatisfação corporal, restrição dietética e depressão.
A evidência indica que a humilhação de indivíduos com questões relacionadas com o peso não motiva mudanças de comportamento positivas, antes pelo contrário. Vivenciar experiências relacionadas com o estigma do peso pode levar ao desenvolvimento de distúrbios alimentares e/ou obesidade. Para além de que pode inibir a atividade física em publico, com o medo da humilhação pelo excesso de peso, e levar ao hábito de compulsão alimentar como resposta ao stress emocional causado.
Não é difícil de perceber que esta diminuição de atividade física e aumento de ingestão calórica resultará num aumento de peso. É fácil chegar à conclusão de que a humilhação de indivíduos com excesso de peso ou obesidade não ajudará de forma alguma à adoção de hábitos saudáveis e à diminuição do peso corporal. Se assim fosse, se o estigma do peso e a humilhação promovessem comportamentos de estilo de vida mais saudáveis e a perda de peso, já não teríamos quase indivíduos obesos no mundo.

As pesquisas demonstram que 47% das raparigas e 34% dos rapazes com excesso de peso reportam que são humilhados pelos membros da família. Quando as crianças e jovens são vítimas de bulying em função do seu peso pelos pares, família e amigos, tal irá despoletar sentimentos de culpa, que podem levar a depressão, baixa auto-estima, má imagem corporal e até suicídio. A culpa e a depressão podem levar as crianças a evitarem exercício físico ou a comer em público, com medo da humilhação pública. Estas crianças e jovens também vivenciam a isolação social por serem excluídas das atividades sociais ou por serem ignorados pelos colegas. Este tipo de comportamento discriminatório também parte dos professores, os quais podem, por vezes, criar expectativas baixas dos estudantes, o que poderá levar a resultados educativos mais baixos para crianças e jovens com obesidade. Em resultado de tudo isto, poderá ficar em cheque o futuro e as oportunidades (desiguais) destas crianças.
Como se poderá atuar de forma a evitar este estigma? Será importante estar atento ao nosso próprio comportamento e atitudes em relação aos outros, à forma como falamos com as crianças e jovens sobre o seu peso. Os pais podem e devem falar com os professores dos seus filhos, expressando preocupação e promovendo consciência do estigma do peso nas escolas. É importante que as próprias escolas tenham este assunto na sua agenda, de forma a criar políticas internas para prevenir esta vitimização do peso nas escolas.
Mais compaixão e menos estigma!

Para sugestões de temas ou comentários ao artigo, envie um email para o seguinte endereço: joanagante@gmail.com

Joana Gante
Nutricionista
CP 3640N
https://www.facebook.com/joanagante.nutricao/
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Joana Gante nasceu em Coimbra em 1984. Licenciou-se em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 2008, e em Dietética pela Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria em 2016. Pós-graduou-se em Nutrição em Pediatria pela Universidade Católica de Lisboa em 2018. Tem feito diversas formações, nomeadamente em Nutrição avançada no Desporto; Alimentação Vegetariana; Alimentação na Pessoa Idosa, entre outras. Exerce funções enquanto Nutricionista na Associação Cultural Desportiva e de Solidariedade da Freguesia da Vinha da Rainha e em diversas clínicas.