CARTAS POMBALINAS | Contra a corrupção, firmeza e determinação!

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O controlo sobre a execução dos milhares de milhões de euros vindos de Bruxelas a pretexto do Programa de Recuperação e Resiliência veio activar novamente o fantasma da corrupção.
Esta discussão fez-me recordar o debate que tive oportunidade de moderar no início deste ano no Teatro José Lúcio da Silva, em que participaram a ex-Procuradora Joana Marques Vidal, o ex-eurodeputado Marinho Pinto e o jornalista João Paulo Batalha, tendo ficado muito clara a ideia que as instituições superiores do nosso país não estão a fazer tudo o que podiam no combate ao fenómeno da corrupção.
Isso mesmo está bem patente naquilo que é a percepção que os cidadãos têm sobre este assunto, já que, de acordo com o mais recente eurobarómetro, 9 em cada 10 portugueses (94%) dizem que a corrupção está disseminada no país, colocando Portugal com uma das piores taxas da União Europeia e muito acima da média dos congéneres europeus (71%).
Ainda mais preocupante é o facto de cerca de 55% considerar que este sentimento aumentou nos últimos três anos, o que não deixa de ser um aspecto a considerar na fiabilidade que é depositada nas instituições e, em particular, nos nossos governantes e no próprio sistema de justiça. A este propósito, importa realçar que a confiança dos portugueses na independência da justiça – que vinha em crescendo desde 2013 – teve uma queda abrupta em 2019 para os 42%.
As mais recentes propostas de alteração ao Código dos Contratos Públicos – que tinham como principal objectivo agilizar a execução destes fundos europeus – fizeram soar os alarmes por se entender que estas alterações legislativas são “susceptíveis de contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio (…) e são uma porta aberta à corrupção”.
Estas são algumas das citações que constam no parecer emitido pelo Tribunal de Contas e subscrito por Vítor Caldeira que acabaria por ser substituído por José Tavares no cargo de Presidente desta instituição meia dúzia de dias após esta posição púbica. A verdade é que não há coincidências e o timing desta substituição não abona muito a favor da credibilização das nossas instituições, ainda por cima, numa área da maior importância para o nosso país.
A tese do mandato único parece não vingar e remete-nos imediatamente para o afastamento da ex-Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal que estava a desempenhar um mandato sobejamente elogiado, pela proactividade manifestada pelo Ministério Público na acusação de vários políticos e empresários, independentemente do seu grau de poder ou influência.
Curioso o facto da ex-Procuradora ter dado uma entrevista há apenas quatro meses denunciando a existência de “redes de corrupção e de compadrio, nas áreas da contratação pública que se disseminam entre vários organismos de ministérios”.
O facto de estarmos anos a fio sem terem sido transpostas para o nosso ordenamento jurídico as directivas europeias sobre corrupção, diz bem do real interesse destas intenções legislativas que podem levar à percepção de estarmos perante uma tentativa de amnistia encapotada.
Apesar de estar em discussão pública a estratégia nacional contra a corrupção 2020-2024, estes novos tempos não nos têm trazido boas notícias em relação a esta temática, já que, concordando com a douta opinião do Professor Pedro Gonçalves, Portugal devia privilegiar a “promoção da transparência, bem como a prevenção e o combate à corrupção no exercício de funções públicas como objetivos essenciais da regulamentação dos negócios públicos”.
Urge, por isso, evitar as cumplicidades entre sector público e privado que em nada contribuem para recuperar a confiança das pessoas nas nossas instituições.
Ao nível do controlo da execução dos fundos europeus, existe um protocolo celebrado entre o DCIAP e a Agência de Desenvolvimento e Coesão (que tem a incumbência de gerir os fundos comunitários), que deve ser reforçado para intensificar o acompanhamento e fiscalização do Ministério Público, tendo em consideração a importância boa gestão destes envelopes financeiros que devem ser efectivamente aplicados na economia real, para conseguirmos ultrapassar os enormes desafios que vamos ter pela frente nos próximos tempos.
Toda esta recente polémica levou, inclusive, Marcelo Rebelo de Sousa a apelar à ética republicana no combate à corrupção, precisamente no decurso da sua intervenção no 5 de Outubro.
Contudo, julgo que um bom contributo para alcançar esse desiderato, seria evitar os sinais contraditórios que temos assistido nos últimos anos.
Para que sejamos um país cada vez mais organizado e desenvolvido, o combate à corrupção deve ser assumido com firmeza e determinação, para que as pessoas voltem a acreditar e a reforçar a confiança nas nossas instituições que merecem ser cada vez mais credibilizadas.

Um forte abraço amigo,
Pedro Pimpão
pedropimpao@gmail.com

Pombal, 22 de Outubro de 2020

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Pedro Pimpão é natural de Pombal, tem 36 anos, é casado e tem dois filhos. É advogado de profissão e actualmente desempenha as funções de deputado à Assembleia da República, tendo sido eleito pelo círculo eleitoral de Leiria. É Presidente da Assembleia de Freguesia de Pombal, membro da Assembleia Municipal de Pombal e membro da Assembleia Intermunicipal da Região de Leiria. É licenciado em Direito pela Universidade Coimbra, contando com Pós-Graduações em Direito Administrativo, Gestão Autárquica, Direito dos Contratos Públicos e Direito Municipal Comparado Lusófono. É Mestrando em Ciência Política pelo ISCSP – Universidade de Lisboa.