A engenheira que veste a farda de sapadora florestal

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Lúcia Gariso é a única mulher, no concelho de Pombal, a integrar o grupo de sapadores florestais ao serviço deste território. Desde 2021 que a engenheira agronómica (ramo florestal) veste uma farda que estava longe das suas perspectivas profissionais, mas em momento algum pensou desistir.

São pouco mais de 10h00 e muito trabalho já foi feito pela equipa de sapadores florestais que na terça-feira, dia 18, foi mobilizada para a zona da Moita do Boi. Foi ali que estivemos à conversa com Lúcia Gariso, numa pequena pausa entre a limpeza de trilhos que tinham em curso naquela zona.
De estatura média e imagem jovial, Lúcia esconde a robustez com que, diariamente, de segunda sexta, pega na pesada roçadora para proteger os terrenos (e as populações) contra os incêndios, assumindo o papel de agente da protecção civil.
Com 40 anos de idade, Lúcia estava longe de imaginar que a sua vida seguiria este caminho. Natural do Cercal, uma aldeia do concelho de Soure, há 11 anos que faz da Guia o porto de abrigo, por ‘culpa’ do casamento, e é na vila da zona Oeste que vive com o marido e as duas filhas, de nove e cinco anos de idade.
Licenciada em Engenharia Agronómica – Ramo Florestal, ainda fez estágio numa associação de Soure ligada ao sector, mas a falta de fundos comunitários inviabilizou a possibilidade de ali continuar. Sem oportunidades de emprego na região, colocou o curso superior na gaveta, arregaçou as mangas e foi à procura de outras soluções.

“Se não tivesse tirado um curso ligado à floresta, seria ao ambiente”

Passou por um posto de abastecimento de combustíveis e por um hipermercado, mas o trabalho por turnos, que lhe roubava tempo para estar com as filhas em momentos importantes, foi motivo suficiente para que, em 2109, “praticamente a terminar o prazo de candidatura”, se apresentasse ao concurso para sapadores florestais. Foi seleccionada, mas optou por terminar o contrato no hipermercado para, em 2021, entrar então ao serviço.
O mundo dos sapadores não era desconhecido para Lúcia Gariso. Durante o estágio profissional coordenou uma equipa de profissionais desta área, mas reconhece que só depois de vestir a farda começou a valorizar realmente o esforço de quem trabalha neste mundo.
Das primeiras semanas recorda o desgaste físico provocado pelas “máquinas pesadas” e, em tom de brincadeira, diz mesmo que “ganhei músculo”. Ainda assim, nunca pensou voltar atrás, até porque “não sou de desistir”. A forma como foi acolhida pelos colegas também facilitou a integração, e Lúcia não lhes poupa elogios. “Foi muito bom”, conta a sapadora florestal sobre a forma como a receberam nas equipas. Além disso, “já estava habituada a trabalhar com homens e senti sempre muito respeito e educação da parte deles”, como faz questão de frisar.
Em casa, a decisão de enveredar por uma profissão maioritariamente masculina e com grande exigência física não surpreendeu o marido, que bem conhece o ADN da esposa, mas do lado das filhas também não faltaram motivos para se sentir apoiada. “No início, a mais pequena não percebeu, mas agora já fala com orgulho do que a mãe faz. A mais velha acha muita piada a ver-me conduzir a carrinha amarela, como ela lhe chama”, conta.

“As pessoas estão pouco sensibilizadas para a limpeza dos terrenos”
Das inúmeras funções que realiza no dia-a-dia, Lúcia e os colegas (o concelho tem duas equipas de sapadores florestais) dedicam a maior parte do tempo à silvicultura preventiva, nomeadamente a gestão de combustível florestal. Com a chegada do Verão, o trabalho é também canalizado para a vigilância das florestas e, se necessário, estão igualmente aptos à realização da primeira intervenção e apoio ao combate a incêndios rurais, bem como a operações de rescaldo.
Do que tem visto no terreno, Lúcia diz que há muito a fazer no campo da prevenção, porque “as pessoas estão pouco sensibilizadas”, o que resulta em “muitos terrenos por limpar, mesmo junto às habitações”, diz.

“Os fogos são o trabalho que mais me assusta”
Em 2022, data em que os incêndios atingiram fortemente o concelho, em particular a freguesia de Abiul, Lúcia Gariso teve a primeira experiência no combate aos fogos e não esconde o medo sentido. “Para mim, é o trabalho que mais me assusta”, sobretudo “porque nos falta um pouco de formação” nesta área. “Penso muito nas minhas filhas quando tenho que ir para um fogo, porque não tenho a mesma experiência que eles [bombeiros e colegas de trabalho]”.

*Notícia publicada na edição impressa de 27 de Julho