Saber é poder

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Nunca é demais relembrar o Holocausto. Palestra no Teatro-Cine de Pombal sobre os homens e as mulheres que, corajosamente, protagonizaram o levantamento judaico do gueto de Varsóvia contra os nazis. O palestrante narra as suas histórias de vida com as respetivas fotografias, a preto e branco, projetadas no ecrã. Rostos que falam de verdadeiro heroísmo, aquele que consiste em sacrificar-se, totalmente, por um bem comum. Pessoas que, com a sua luz interior, mitigaram a dor que marcou, a ferro e fogo, a primeira metade do século XX. Pessoas que, sem o saberem, encarnaram as palavras de Raul Brandão, escritor português precursor do existencialismo, nascido a 12 de março de 1867 e que a seguir transcrevo: “Se vale a pena viver a vida esplêndida – esta fantasmagoria de cores, de grotesco, esta mescla de estrelas e de sonho?… Só a luz! Só a luz vale a vida! A luz interior ou a luz exterior. Doente ou com saúde, triste ou alegre, procuro a luz com avidez. A luz é para mim a felicidade. Vivo de luz. Impregno-me, olho-a com êxtase. Valho o que ela vale. Sinto-me caído quando o dia amanhece baço e turvo. Sonho com ela e de manhã é a luz o meu primeiro pensamento. Qualquer fio me prende, qualquer reflexo me encanta.
(in ” Se Tivesse de Recomeçar a Vida “).

De facto, certas figuras do passado que nos visitam através do longo corredor do tempo são lições vivas de resiliência, nomeadamente enquanto vítimas de perseguição a grupos minoritários, como é o caso dos judeus, na europa dominada por Hitler, e dos arménios, por parte dos turcos, no antigo Império Otomano. José Rodrigues dos Santos surpreendeu os seus leitores quando, em Setembro lançou, quase em segredo, “O Homem de Constantinopla”, um romance biográfico sobre Kaloust Gulbenkian, um arménio com nacionalidade inglesa, radicado em Lisboa e benemérito das nossas artes. Através de uma resma que Kaloust fez chegar às mãos do seu filho Krikor quando este era um jovem adulto, a história da família Sarkisian é contada e relatada de forma romanceada pelo próprio e tudo começa nesse exato momento. Com um vocabulário extremamente acessível a todos, o autor tomou de embalo a história deste grande homem que nasceu remediado e que, aos poucos, atingiu o topo do reconhecimento e do poder através dos seus negócios e apostas financeiras.

Do Império Otomano a Paris, de Londres para o mundo, Kaloust tornou-se num dos homens mais ricos e educou o seu filho para lhe seguir os passos, contornando todos os obstáculos, consoante a sua vontade e na direção que entendia. Cedo descobre a sua paixão pela estética e por tudo o que é belo, encontrando prazer quer em maravilhosos quadros, que coleciona, quer na perfeição dos negócios que, desde tenra idade, começa a fazer e a aperfeiçoar. Assim, quando cresce, decide tornar-se engenheiro, especializado numa matéria, ainda desconhecida em finais de século XIX, isto é o petróleo e os seus derivados, apesar de já se lhe reconhecer um imenso potencial em várias áreas, designadamente como combustível para os barcos.
Como tal, acompanhamos o protagonista desde a sua infância (com poucos dias de vida os pais são obrigados a fugir da matança, à mão dos turcos, levando-o escondido dentro de um tapete persa enrolado) até ao momento em que já domina o negócio do petróleo e a Primeira Guerra Mundial está prestes a “rebentar”, cimentando o seu estatuto de um dos mais importantes especialistas do mundo do petróleo. Todavia, também conhecemos a sua faceta mais pessoal de homem apaixonado pela beleza, fascinado pelo luxo, obcecado pela disciplina e com um medo terrível do envelhecimento. É imperativo ler, a seguir, o romance “Um Milionário em Lisboa”, que nos revela a continuidade do incrível percurso de vida deste homem fascinante.

Por conseguinte, na minha opinião, há várias linhas temáticas de valor pedagógico nesta obra, ou seja, todo ele encerra múltiplas oportunidades de aprendizagem, particularmente quanto à temática do racismo e quanto à capacidade que o protagonista tem para aprender com os erros que vai cometendo, erguendo-se, mais forte, de cada vez que falha, numa lógica de “self made man”, patente em excertos como o que se segue:“ O que o episódio o fez sobretudo compreender foi que nos negócios, como aliás em tudo na vida, era fundamental saber antes de fazer. (…) Na verdade, tomou consciência com incontida amargura, saber era poder.”

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