O PERFUME DA SERPENTÁRIA | LSD*

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1965

Nas últimas linhas que escrevi para este jornal, reprovei o comportamento de alguns elementos da assembleia municipal (executivo incluído) em relação a uma moção apresentada pela deputada do Bloco de Esquerda. A minha crítica não se consubstanciou no conteúdo mas sim na forma. Tive também o cuidado de afirmar que a fieira de frivolidade a que se assistiu era desconexa com o comportamento padrão daqueles que a verbalizaram. Porque os conheço e respeito, fui assaltado por uma profunda perplexidade: Porque será que pessoas normais são capazes de assumir comportamentos tão primitivos? A vida em sociedade impõe-nos desde logo uma regra: a aceitação da diferença. Quando se vive em democracia, a tónica é colocada na aquiescência e no respeito pela diferença de ideias. Quando alguém não pensa como nós – mesmo que sugestionados de que a sua opinião não foi suficientemente maturada e reflectida – manda a tal regra básica de vivência em sociedade, de que podemos e devemos discordar, contrapor, discutir, mas nunca diminuir. Tenho a certeza de que todos nós, em parte pelo trabalho que os nossos pais fizeram connosco, estamos conscientes disto. Então qual terá sido o estado de alienação ao qual foram acometidos os interlocutores deste triste capítulo? Ainda intrigado pelo sucedido, participei na última assembleia de freguesia de Pombal realizada no passado dia 26 de Abril, no Alto dos Crespos. Na altura ainda tinha alguma esperança de que tudo isto tivesse uma explicação dentro de um plano de racionalidade. Saí de lá com a convicção contrária. Isto porque assisti ao vivo a dois episódios extraordinários. A primeira “preciosidade” sucedeu quando o presidente da junta enumerava a sua extensa lista de realizações (mais festas, o que nos faz supor de que este mandato seja uma longa e penosa campanha eleitoral). A certa altura, e num súbito assombro de messianismo, referiu que as pessoas deveriam estar agradecidas pelo “extraordinário” trabalho do executivo, como se não fosse essa a sua obrigação e como se não fosse pago para tal. Outro episódio, não menos desvairado, surgiu aquando da apresentação de uma moção para a criação de um grupo de trabalho para rever o regimento da assembleia de freguesia constituído por elementos de todas as bancadas. Achei a medida íntegra. Faz todo o sentido que as regras de funcionamento de uma assembleia sejam discutidas por todos os que dela fazem parte. No entanto, um dos membros da assembleia (da cor do poder, pois claro!) apressou-se a salientar que, se quisessem, imporiam o regimento que entendessem sem ouvir quem quer que fosse, fazendo assim esfumar a integridade da proposta e demostrando que, em certos contextos, a condescendência e a prepotência são sinónimos. O título deste artigo parece incoerente com o seu conteúdo. Talvez não tanto como possa parecer à primeira vista. O LSD é uma forte droga alucinogénia criada na década de 30 e que se celebrizou nos anos 60, nomeadamente, aquando do festival de Woodstock. Os efeitos psicadélicos desta droga transmitem aos seus utilizadores uma perspectiva ornamentada da realidade e uma forte convicção de que o estado de alienação que experienciam é a verdade. Não estou de forma nenhuma a insinuar que as pessoas que enumerei se metem na “passa”, mas alguma coisa deve explicar o porquê de gente comum ostentar estes tiques de megalomania e palermice. Face a esta sucessão de eventos, gostaria de deixar uma sugestão. Dentro da lógica da criação da universidade de Verão do PSD, seria interessante estabelecer em Pombal uma escola primária de Verão. Assim, os mais esquecidos do que é uma sã convivência democrática, poderiam reaprender o seu bê-á-bá. Ah! Já agora, proponho que as disciplinas de humildade, respeito e decoro sejam de frequência obrigatória.

Aníbal Cardona
ahgcardona@gmail.com

*O autor deste artigo acha que quem pensou o novo acordo ortográfico abusa do LSD.

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Engenheiro Técnico Agrário pela Escola Superior Agrária – IPB – Beja. Licenciado em Segurança e Higiene do Trabalho e Mestre em Gestão Integrada da Qualidade, Ambiente e Segurança pela Escola Superior de Segurança, Tecnologia e Aviação – ISEC – Lisboa. Foi durante mais de uma década responsável de Departamento da Qualidade, Ambiente e Segurança em diversas empresas. É consultor e formador em Sistemas de Gestão. É Professor Adjunto Convidado na Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Coimbra. Foi prelector / moderador em diversos congressos, seminários e work-shops sobre a temática da Segurança e Higiene do Trabalho e Gestão da Qualidade. É autor e co-autor de diversos artigos científicos publicados na área da Saúde Ocupacional. Desempenha actualmente as funções de vereador da Câmara Municipal de Pombal.