O Aflito

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Rodrigues Marques

Andamos todos aflitos.
Todavia, desconfiamos, o mais aflito é o desconfiado.
O Estado, em todos os seus pilares constitucionais, consegue cair, tropeçando nos próprios pés.
Não há argumentos que o defendam e os exemplos são mais do que muitos.
Já nos chegavam os medos.
Agora passámos a andar aflitos.
O Estado desconfia de tudo e de todos, principalmente dos cidadãos, e quem desconfia não é fiável.
Não vale a pena estar a elencar casos concretos, já que nos deparamos com eles no nosso dia a dia.
O Deputado do Partido Socialista, Vieira da Silva, em declarações à comunicação social e por desconfiar do Orçamento de Estado para 2015 (lemos no Jornal de Negócios) elencou três pontos que “merecem”, suscitam, desconfiança aos socialistas.
O primeiro nota que a proposta de orçamento “tem enormes fragilidades do ponto de vista da sua credibilidade”. Vieira da Silva salienta que o OE 2015 se baseia em perspectivas económicas “extremamente optimistas”, na visão do PS, alertando para o facto da possibilidade de “desvios significativos ao nível das exportações e do consumo interno”.
O segundo ponto sublinhado pelo PS prende-se com o “risco de estagnação significativa da economia portuguesa” antecipado por esta proposta de orçamento. O deputado socialista notou que ao contrário da transformação estrutural prometida por este Governo, que assentava no reforço e aumento das exportações, as perspectivas orçamentais para 2015 sustentam-se acima de tudo no crescimento dos níveis do consumo interno.
O terceiro e último ponto, que merece a reprovação do PS, está relacionado com o que Vieira da Silva designou de “política continuada de fragilização do Estado social”. “Podia dar vários exemplos”, garantiu o deputado do PS que se cingiu ao anúncio feito por Maria Luís Albuquerque, Ministra das Finanças, sobre a limitação máxima das prestações contributivas.
Desconfiamos que os socialistas não apanharam o fio à meada.
A questão de fundo que se coloca não é a de desconfiar, por que desconfiado já anda o Estado.
A questão é apresentar propostas alternativas para a criação de riqueza por que sem se criar riqueza não há nada para distribuir.
Ficamos tristes por o Orçamento de Estado para 2015 insistir na arrecadação da receita, sempre dos mesmos, e não na criação de riqueza ou na diminuição da despesa de funcionamento do próprio Estado.
Os exemplos do aumento de impostos são demasiados, muitos camuflados, outros embrulhados em papel verde.
Um exemplo gritante é o da subida da taxa para o INEM.
O Estado permite que as seguradoras chamem prémio a uma factura e é nessa factura que vai a contribuição para o INEM.
Até 2009 a taxa era de 1 %.
Depois passou para 2 %, transitoriamente, disseram.
Agora o Orçamento de Estado propõe passá-la para 2,5 %.
Um pequeno aumento de 25 %, se o compararmos com o aumento de 100 % verificado em 2009.
E apanha todos os seguros dos já aflitos cidadãos e empresas: Vida, Saúde, Acidentes e Automóvel.
Mas não se pensa em racionalizar os custos de funcionamento do INEM.
Reconhecemos que os sábios do regime elaboraram um excelente orçamento na óptica das folhas de Excel.
Só que estas, teimosamente, não coincidem com a realidade.
Ou, quiçá, falta a do equilíbrio entre a receita e a despesa.
Não há qualquer hipótese da economia doméstica de bens transaccionáveis crescer e, ao mesmo tempo, retirar dinheiro da economia real.
Já sabemos: E o défice?
É confrangedor ver e ouvir os anúncios dos bancos (outros aflitos) a tentar vender dinheiro à economia e que só o têm escriturado.
É confrangedor ouvir dizer que o País está bem e ver que o indicador de sentimento económico está a baixar (Setembro 2014-Fonte Comissão Europeia).
É confrangedor ouvir dizer que o País está bem e ver o indicador coincidente de actividade económica voltar a mergulhar muito abaixo da linha de água (Agosto 2014-Fonte Banco de Portugal).
É bom verificar que o índice de produção industrial já está acima da linha de água (Agosto 2014-Fonte INE).
É bom verificar que o índice de produção na construção, apesar de ainda andar por águas muito fundas, já está a caminho da superfície (agosto 2014-Fonte INE).
É confrangedor ouvir dizer que o País está bem e ver o índice de volume de negócios na indústria transformadora a baixar, aproximando-se perigosamente da linha de água, quer no mercado doméstico, quer no externo (Agosto 2014-Fonte INE).
É preocupante verificar que o índice de volume de negócios nos serviços estagnou muito abaixo da linha de água (Agosto 2014-Fonte INE).
É muito preocupante verificar que o índice de volume de negócios no comércio a retalho, que já tinha saído da linha de água nos produtos alimentares, bebidas e tabaco e que nos produtos não alimentares esteve quase lá e que ambos, agora, mergulham água abaixo para as profundezas (Agosto 2014-Fonte INE).
É preocupante verificar que o índice de preços no consumidor está, novamente, debaixo de água, o que demonstra o esmagamento dos preços, numa tentativa de trocar dinheiro por mercadoria, para sobreviver (Setembro 2014-Fonte INE).
O Público de Domingo passado noticia a criação do Plano Estratégico para as Migrações.
E de lá retira que Portugal perdeu 145 mil pessoas, entre 2010 e 2012, tem uma taxa líquida de migração negativa (mais emigrantes do que imigrantes) e uma alarmante redução da natalidade, entre outros números muito preocupantes, depois de se ter aconselhado os portugueses a emigrar.
Por outro lado, verificamos que as taxas de juro de saldos de empréstimos a sociedades não financeiras continuam a baixar, em todas as maturações (Agosto 2014-Fonte Banco de Portugal).
Mas, nem mesmo assim a economia doméstica de bens transaccionáveis arranca e muito menos a economia escriturada.
O PSI-20 está pela hora da morte (Setembro 2014-Fonte Euronext).
Mas como é que o País há-de arrancar, se a cada dia que passa se arranca mais um dente ao pobre do aflito?
Andamos todos aflitos, mesmo o desconfiado.