Dois homens que influenciaram a história do mundo

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Manuel Duarte Domingues
manuel.duarte.domingues@gmail.com

Saímos do barco, terminado o mini cruzeiro, naquele domingo à tarde, no primeiro dia de uma viagem a Berlim, bem organizada, como vem sendo habitual, pela seção de Pombal da Associação Nacional dos Professores. O dia estava cinzento e as águas do Rio Spree, calmamente sujas, ladeadas por edifícios governamentais, monumentos e bares, permitiram fazer uma viagem tranquila, em que foi possível ver como os alemães se divertiam dançando ou bebiam cerveja calmamente recostados em cadeiras instaladas nos relvados em frente dos bares nas margens do rio.
Subindo as escadas do cais de desembarque, deparámos com um jardim relvado e árvores frondosas. Num canto, do lado duma avenida com um nome esquisito (RathausstraBe) e virado para uma ponte com um nome ainda mais complicado (Liebknechbrücke) estava um conjunto de esculturas formando um monumento que nos chamou a atenção. As figuras principais eram dois homens que observámos de vários ângulos, tal como as fotografias documentam. Tentámos saber quem eram, mas não existia qualquer inscrição que nos esclarecesse.
As indagações posteriores permitiram-nos concluir que se tratava do chamado Marx-Engels-Forum, monumento construído em 1986 pelo Governo Comunista da República Democrática Alemã, em homenagem aos autores de “O Manifesto Comunista”, considerados os pais do comunismo.
Com a queda do Muro de Berlim (1989) e a unificação de Berlim e da Alemanha, Marx e Engels perderam importância (não existe partido comunista na Alemanha) e o conjunto arquitetónico que estava no centro do jardim em lugar de destaque foi deslocado para um canto do jardim e passado ao anonimato, parecendo ter apenas interesse histórico e despertando a curiosidade dos turistas.
Mas, é sabido que aquelas duas personagens tiveram uma importância fundamental, pela aplicação, no século XX, das suas ideias em diversos países, influenciando decisivamente a evolução do mundo, a filosofia política, o equilíbrio e as relações entre as nações à escala planetária.
Valerá, por isso, a pena recordar a sua história, as suas ideias, a importância e as consequências que tiveram para o mundo e tirar conclusões.
Karl Marx (1818 – 1883), nasceu na antiga Prússia e faleceu em Londres, sendo o segundo de nove filhos de mãe judia holandesa e o pai advogado e conselheiro de justiça. Doutorou-se em Filosofia e, como não conseguiu seguir a carreira académica, foi redator chefe de um jornal da província de Colónia onde, em 1842, conheceu Friedrich Engels durante uma visita deste à redação do jornal.
A sua experiência jornalística durou pouco tempo. Entretanto, começou a publicar obras em que defendia a luta de classes entre a burguesia e o proletariado, considerando que o capitalismo era a ditadura da burguesia e que as tensões do capitalismo conduziriam à sua destruição, sendo substituído pelo socialismo em que seria a classe trabalhadora a governar, na ditadura do proletariado. Caminhar-se-ia assim, para uma sociedade sem classes que culminaria no comunismo.
A obra principal de Marx é “O Capital” (Das Kapital), publicada em 1867, na qual fez uma extensa análise da sociedade capitalista e idealiza o que seria uma sociedade socialista. Marx é, por muitos, considerado um dos maiores filósofos de todos os tempos, fundador da doutrina comunista, tendo as suas ideias influenciado fortemente as relações trabalho / capital.
Friedrich Engels (1820 – 1895), nasceu também na antiga Prússia, hoje Alemanha e faleceu em Londres. Era o mais velho de nove filhos, sendo o pai um rico industrial. Foi o principal colaborador de Marx na elaboração e divulgação da teoria comunista.
No seu “Manifesto do Partido Comunista” publicado em 1848, Marx e Engels afirmam que “A história da humanidade é a história da luta de classes”. Engels exerceu influência significativa sobre as reflexões intelectuais de Marx, especialmente no início da associação entre ambos, chamando a sua atenção para a economia política e a história económica da Europa.
Após a morte de Marx, Engels organizou muitos dos seus manuscritos e inéditos, sendo o primeiro intérprete e sistematizador das ideias de Marx. Publicou muitos textos usando termos populares para difundir as ideias de Marx.
A História do século XX teve desenvolvimentos em que as ideias destes dois filósofos e políticos foram, em princípio, aplicadas em muitos países, especialmente na Rússia e na China e em países mais pequenos e que ainda se mantém, como é o caso de Cuba e da Coreia do Norte.
Mas será que as ideias e a filosofia de Marx e Engels, foram realmente aplicadas nos países chamados comunistas? Estes sistemas evoluíram para uma ditadura do proletariado ou para uma ditadura do partido único?
Os resultados, vistos à luz da História, são trágicos. Estima-se em 100 milhões o total de seres humanos mortos em resultado de regimes comunistas, sendo 20 milhões na União Soviética, 65 milhões na China e 5 milhões no Vietname/ Coreia / Cambodja. Foram mortos ou desterrados para campos de concentração e de trabalho forçado, especialmente professores, médicos, intelectuais, ou seja os membros das classes mais cultas (foi o caso de Alexandre Soljenitsine, antigo capitão de artilharia do exército vermelho, prémio Nobel da Literatura em 1970, cuja obra literária mais conhecida é o “Arquipélago de Gulag”, baseada na sua própria experiência pessoal e no testemunho de outros duzentos e vinte e sete antigos detidos, que relata a vida num desses campos de concentração ou, como eram oficialmente designados “campos de reabilitação pelo trabalho” ou, segundo o autor, campos de exterminação, por onde terão passado, de 1921 à década de 70, sessenta e seis milhões de prisioneiros do regime comunista soviético).
É evidente que a responsabilidade não é de Marx e Engels, mas sim de Lenine, Estaline, Mao Tsé Tung e de outros ditadores iluminados que terão aplicado erradamente a filosofia marxista.
Em Berlim é obrigatória a visita ao que resta do célebre Muro de Berlim, construído em 1961 e demolido em 1989. Foi construído pelo regime comunista para evitar que os alemães fugissem para o ocidente, para a liberdade. Então, mas se do lado comunista, em Berlim leste, existiam as amplas liberdades, para quê construir o muro?
Se o sistema idealizado por Marx e Engels, do modo como foi posto em prática traria a felicidade ao proletariado e a igualdade de classes, qual é a situação nos países em que foi implementado? Há mais justiça social? Há mais igualdade? Não há capitalismo? Os direitos dos trabalhadores são defendidos pelos respetivos partidos comunistas? As amplas liberdades, incluindo as sindicais, foram postas em prática? Os amanhãs que cantam trouxeram mais felicidade aos povos?
À luz da realidade atual, parece que podemos concluir que o marxismo beneficiou os trabalhadores nos países capitalistas ou de economia de mercado, mas não os dos países comunistas, que continuam sem ter direitos sociais.
Para quem gosta de História, fica o convite para uma reflexão: se Marx e Engels não tivessem existido, como seria o Mundo hoje?
PS: Provavelmente, o título levou muitos leitores a pensar em Jesus Cristo e Maomé, dois Homens que tiveram uma importância fundamental na evolução do nosso Mundo. Desde as cruzadas, que muitas guerras têm sido motivadas por razões religiosas, situação que também se verifica atualmente em muitos países (Israel e Palestina). E até dentro da mesma religião: no passado recente entre cristãos (católicos e protestantes na Irlanda do Norte) e atualmente no mundo árabe (entre xiitas e sunitas, no Iraque e na Síria). Parece assim que o Paraíso será sempre uma utopia, quer por razões políticas, quer por razões religiosas.